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Governança Corporativa e Gestão Pública XII: iESGo, o novo índice de governança do TCU

Publicado em: 13.08.24 Escrito por: Marcos Antonio Rehder Batista Tempo de leitura: 15 min Temas: Governança Compartilhada, Modernização da Administração
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Até agora esta série tratou do esclarecimentos conceituais sobre a abordagem da Governança, partindo de seus critérios de avaliação para uma reflexão sobre como moderar os mais diversos atores envolvidos na gestão pública, como uma forma de contribuição para preparação para as eleições municipais – tanto dos candidatos quanto dos eleitores. Primeiro tomou-se os do mercado, difundidos no Brasil nos 4 princípios usados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC até ano passado que, junto à Institutional Analysis and Development – IAD, guiaram a elaboração do conjunto de vídeos produzidos em 2020. Nesta reedição, este material em MP4 foi acompanhado por textos explicativos, que traziam tanto descrição destes princípio quando exemplos, inclusive exercícios quantitativos de teoria dos jogos – caso do décimo conteúdo. A novidade neste ano foi que estes artigos, além das referências anteriores, foi incluído o Referencial básico de governança aplicável a organizações públi­cas e outros entes jurisdicionados ao TCU, 3 Edição (2020), que gira em torno da concepção de Governança Organizacional Pública – GOP; como tal conteúdo mantém o enfoque nas instituições federais, sob jurisdição do “Tribunal”, também usou-se o volume Governança pública municipal: Transformando sua administração (2020), uma adaptação do “Referencial” para a realidade local, desenvolvida em parceria entre TCU e Rede Governança Brasil – RGB.

Os princípios de governança anteriores à nova edição do “Código” do IBGC lançado ano passado  – Transparência, Equidade e Justiça (com os cidadãos  em geral, parceiros políticos e econômicos e grupos de stakeholders), Accountability e Conformidade Normativa – , estão no quadro do TCU, distribuído entre princípios de Liderança, Estratégia e Controle, sendo que neste último aparecem os 4 tradicionais da Governança, que também possuem aspectos nos outros dois, conforme já foi demonstrado nos conteúdos anteriores. No penúltimo artigo da série tratou-se das duas principais novidades da nova proposta do “Instituto”, e possibilidades de revisão na comparação dela com a GOP: a “Integridade”, que na agência de auditoria externa pública vinha como um elemento da “Estratégia”; e a “Sustentabilidade”, algo que adéqua a nova metodologia aos princípios ESG, com questões que também passaram a ser avaliadas no iESGo do “Tribunal” a partir deste ano, nos permitindo constatar alinhamento entre as duas instituições (afinal, ambas passaram a avaliar sustentabilidade econômica, social e ambiental em 2023).

Assumindo a premissa de que para um entendimento preliminar do framework da GOP é importante uma introdução à metodologia para sua avaliação, toda esta série foi organizada para finalizar com uma apresentação das linhas gerais do iESGo. Mesmo não sendo um índice voltado para avaliação da gestão nas prefeituras, pois apenas órgãos federais estão sob jurisdição do TCU, seus princípios são referenciais possíveis para todos os entes da federação, e podem orientar a criação e o aprimoramento de mecanismos de governança no nível local, como a própria RGB defende.

Sendo assim, na próxima seção serão discutidas algumas diferenças entre o iGG, índice usado pelo Tribunal de Contas até ano passado, e o iESGo, revisão mais enxuta do anterior e que conta com questões sobre sustentabilidade social e ambiental. Posteriormente, descreveremos brevemente o questionário do iESGo, tendo como referência o quadro da Governança Organizacional Pública, cujo versão mais recente é de 4 anos atrás. Por fim, algumas palavras finais sobre a série, ressaltando os avanços em relação aos conteúdos dos vídeos a partir das novas referências adicionadas agora, em 2024, além de alternativas de continuidade para esta agenda de pesquisa.

Do iGG ao iESGo

O Índice Integrado de Governança e Gestão Públicas – iGG foi resultado da consistente discussão sobre o tema iniciada em 2014 dentro do TCU, que em 2017 unificou 4 levantamento temáticos já trabalhados pelo órgã: governança pública, pessoas, TI e contratações. Dentro destes parâmetros, foram realizadas avaliações das instituições federais em 3 momentos, 2017, 2018 e 2021, e pode-se observar uma melhoria significativa nos processos. Isso se deve tanto pela cobrança quanto pelo próprio processo de aprendizagem institucional, pois a mera compreensão dos critérios exigidos por parte de quem preenche os questionários tende a levá-lo à adoção e aprimoramento na gestão interna no que se refere a coordenação dos agentes envolvidos, ocorrendo um processo de difusão, na medida em que os envolvidos ficam satisfeitos com o resultado da inovação institucional.

Apesar de ser direcionado para órgãos da União, estimulou-se que seus parâmetros conceituais fossem utilizados como inspiração para qualquer esfera da gestão pública, direta ou indireta, também para estados e municípios. Como já foi dito, o próprio volume da RGB, usado como orientação junto ao “Referencial” ao longo de toda a presente série, recorreu aos critérios deste “índice” não apenas para orientar sobre como avaliar a governança num escopo local, como também na proposta de minuta para a elaboração de normas municipais que regulamentem o tema, presente em seu Anexo I. Por isso, conhecer as alterações ocorridas na mudança do iGG para o iESGo são tão importantes, posto que, ao incluir questões relativas à sustentabilidade ambiental e social, já alinham este método de avaliação à da nova edição critérios do IBGC publicados ano passado. Em palestra ministrada em fevereiro deste ano, promovida pelo próprio TCU na ANAC, adiantou-se as linhas gerais das mudanças, o que pode ser observado no gráfico abaixo, retirado desta apresentação:

Em linhas gerais, houve uma pequena redução no número de questões sobre Governança Organizacional Pública, distribuídas entre os eixos Liderança, Estratégia e Controle, de 295 para 253, e um enxugamento maior das informações operacionais, como licitações, de 413 para 290. Foram incluídas 46 questões tratando exclusivamente sobre sustentabilidade ambiental e social. É interessante notar que, apesar da avaliação de mais critérios em relação ao iGG, houve uma redução do número total de informações pedidas, transformando-se duas ou mais questões em uma só, o que em si já denota um aprimoramento da capacidade de avaliação da Secretaria de Controle Externo de Governança, Inovação e Transformação Digital do Estado (SecexEstado), do “Tribunal”.

Esta discussão sobre como o índice de avaliação da Governança do TCU se transformou de modo conectado com a 6ª Edição do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, em direção ao que convencionou-se chamar de Environmental, Social and Governance – ESG, mostra-se fundamental para os estudos na área. Vale lembrar que, conforme exposto no último artigo, até o principal framework acadêmico internacionalmente aceito para este tipo de análise, a Institutional Analysis and Development – IAD, de Elinor Ostrom, teve a inclusão literal da Sustentabilidade como critério de avaliação da Governança. Por isso, a próxima seção trata mais especificamente de como suas dimensões ambiental e social aparecem no iESGo.

Paralelo entre organograma da Governança Organizacional Pública em (TCU2020)e o questionário

Antes de caracterizar como o novo “índice” trabalha Sustentabilidade Ambiental e Social, parece interessante apresentar algumas palavras sobre a organização geral de seu questionário, dividido em 6 partes: i) Liderança, ii) Estratégia e iii) Controle, compondo a parte correspondente à Governança Organizacional Pública – GOP, conforme esta é descrita no Referencial básico de governança aplicável a organizações públi­cas e outros entes jurisdicionados ao TCU, 3 Edição (2020); na parte iv) temos o que o questionário chama de “Operações”, área mais sintetizada em comparação com o iGG – conforme mostra gráfico acima -, composta por gestão de pessoas, TI e contratações, ou seja, o que a administração pública propriamente faz, que é objeto do processo de Governança das demandas dos atores envolvidos; por último aparecem v) Sustentabilidade Ambiental e vi) Sustentabilidade Social, as questões inéditas integradas neste último levantamento da série de avaliações do TCU. Em todas as partes, existem questões simples e outras acompanhadas por uma segunda pergunta vinculada à primeira.

Em relação à parte “v”, sobre questões ambientais, o enfoque é se existe plano interno à organização e também externo, somando-se entre perguntas principais e as anexas somam-se 6. Sobre a dimensão “Social” da Sustentabilidade – “vi” e última parte -, prioriza-se questões de diversidade, inclusão, acessibilidade, prevenção de assédio e discriminação; nesta última parte, são 12 questões. Um ponto fundamental a ser apontado é que, apesar de em “v” e “vi” somados temos 18 questões, mas muitas outras questões acerca da pauta estão distribuídas ao longo do questionário. Principalmente no que poderia estar na parte “v”, podem ser encontradas na avaliação de risco (parte “ii”, de Estratégia), e nos critérios operacionais, quando tratam de obras públicas onde também aborda-se a Sustentabilidade Social quando pergunta a respeito da gestão de pessoas. Em outras palavras, as questões que tratam de Sustentabilidade não estão todas exclusivamente nas partes “v” e “vi”, mas em todo o formulário.

Outro aspecto bastante relevante é que não consta uma avaliação sobre inclusão socioeconômica, algo que poderia gerar questionamentos. Este debate também foi presente na elaboração do Índice de Efetividade da Gestão Municipal – IEGM, sobre incluir ou não este tipo de variável, e existe uma justificativa bastante plausível para que isso não fosse feito: a pluralidade de concepções e critérios para avaliação do desempenho econômico e da inclusão socioeconômica. Numa conjuntura política multipartidária, os partidos adotam diferentes perspectivas destes processos, expressos numa infinidade de índices de desenvolvimento, o que torna impossível escolher um indicador a ser imposto para todas as visões ideológicas – estamos falando de uma metodologia da principal agência de auditoria externa pública brasileira. A solução seguida pelo IEGM foi concentrar em um índice de governança, cujos dados podem ser cruzados com o indicador de desenvolvimento de preferência da liderança eleita para governar, o que pode ser estendido para qualquer dos três entes federativos (União, estados e municípios); como nesta série trata-se de buscar inspiração na metodologia de análise de governança do TCU para pensar no nível local – mesmo que este não esteja entre seus jurisdicionados -, trata-se, sim, de um tópico fundamental.

Por fim, da mesma forma que o framework da IBGC foi renovado ano passado para abordar a questão da Sustentabilidade, seria interessante compreender como um futuro “Referencial” da GOP irá incluir o tema em seu paradigma analítico. Isso não necessariamente exige uma revisão, mas seria importante recorrer a outros documentos do TCU específicos sobre esta pauta adicional. O mais importante é registrar-se este importante avanço presente no iESGo, o começo de uma nova discussão dentro dos critérios de auditoria operacional, que avalia o aprimoramento institucional voltado para resultados mais efetivos do uso dos recursos públicos (também chamada de “auditoria de resultados”). Qualquer discussão acadêmica séria também precisa levar as orientações de nossas agência de auditoria pública, como parte da avaliação de nossa Democracia!

Palavras finais sobre a série

Quando uma metodologia de avaliação da gestão pública busca também a análise da Governança, que consiste em avaliar a capacidade de uma organização de moderar os diferentes atores envolvidos direta e indiretamente em suas ações, ela vai muito além da i) economicidade, ii) eficiência, iii) eficácia e iv) efetividade, abrangendo o modo com que os processos políticos acontecem. Também, quando se propõe a medir a Sustentabilidade, olha para os resultados elementos que transcendem estes 4 fatores, propondo uma análise bem mais sofisticada da efetividade, consequências diretas e indiretas de uma determinada ação – externalidades; pensa as consequências globais do que é feito. Além destes novos fatores que na série de vídeos de 2020, cujos conteúdos foram acrescidos de novas referências através de artigos que os comentam na presente série encerrada aqui, cabem alguns comentários sobre revisões possíveis a partir da leitura do “Referencial” do TCU, de sua versão da RGB para municípios e da 6ª Edição do “Código” IBGC.

Um apontamento inicial seria a impressão de que, para se estudar Governança, deve-se partir do princípio de Equidade e Justiça. É este princípio que olha diretamente para os atores envolvidos e a quem a organização em questão deve satisfazer. É para promover equidade e justiça para os envolvidos, tanto em relação à participação nas decisões quanto ao compartilhamento dos resultados; retomando a distinção agente (representante)/ principal (representado), quando se delega poder a uma liderança (e isso vale para os cidadãos e para acionistas privados) o foco desta precisa começar por como corresponder aos anseios dos verdadeiros “proprietários” do poder público. É para satisfazer e diariamente obter a confiança dos cidadãos em geral, dos parceiros políticos e econômicos e da sociedade civil organizada que são estabelecidos sistemas de Transparência, Accountability, Conformidade Legal e mitigação das consequências indesejadas (Sustentabilidade).

Um segundo ponto necessário após a conclusão desta série está na distinção entre os princípios de Transparência e Accountability. No artigo de apresentação dos 12 conteúdos foi feita uma inversão entre a forma com que ambas aparecem no documento da OCDE usado  há 4 anos como contraponto ao “Código” IBGC de 2015, pois na OCDE o correspondente a Accountability –  seria a promoção de “mercados transparentes e justos”, ou seja, relacionado à Transparência, e o que nele consta como Transparência, envolve “desempenho”, algo que só pode ser avaliado ao final do processo, na Accountability. Possíveis confusões entre os dois termos foram tratadas em vários dos textos da série, inclusive na identificação de que para Ostrom eles aparecem dentro de um mesmo princípio. Após a inclusão de novas referências promovida agora, ficou mais claro como podem ser distintos em: Transparência trata do acesso às informações operacionais durante a execução das ações; Accountability refere-se ao balanço final, relativo à coerência entre os resultados esperados e os atingidos, com todas as informações finais.

Uma terceira reflexão relevante é em relação à conformidade com as Normas e Valores, que gera preocupações infindáveis na gestão pública e cuja avaliação consiste na “atividade fim” das agências de auditoria externa pública, os Tribunais de Contas. Geralmente elas são vistas como proibições ou determinações, limites impostos à ações que os governantes pretende empreender. É necessário que estes entendam que as lei não são meras opiniões dos legisladores, mas resultado de extensos debates e estudos sobre as melhores condutas, que atingem melhores resultados, sobretudo quando falamos das federais e estaduais (é realmente fantástico quando nas municipais estes processos de maturação acontecem). Em outras palavras, as leis que regulamentam a atuação pública são um balanço das práticas que atingem melhores resultados, resguardam dos riscos, e levam a menores consequências indesejadas. São caminhos seguros, responsáveis, que garantem minimamente economicidade, eficiência, eficácia e efetividade, e não meras restrições. São regras que garantem a moderação dos atores, até onde eles podem ir, a Governança.

Apesar de boa parte deste aprimoramentos sugeridos para os conteúdos dos vídeos tratados nestas palavras finais sobre a série já estarem presentes no estudo que desenvolvi sobre Governança Pública logo após a elaboração dos vídeos, sobre o Índice de Efetividade da Gestão Municipal – IEGM, optou-se por manter o máximo de fidelidade aos slides elaborados para as eleições passadas. O IEGM é uma espécie de índice de Governança para municípios, e relacionar os seus critérios com a abordagem do TCU consiste numa agenda de trabalho futura, que pode dar um enlace final para o aprimoramento da gestão local, principal objetivo nesta série. De toda forma, acredita-se ter dado uma contribuição para orientar candidatos e eleitores, não apenas para as eleições, mas para a maturidade de uma democracia que simultaneamente envolva a sociedade e atinja resultados.

Espero ter sido útil, e obrigado aos que acompanharam a série “Governança Corporativa e Gestão Pública”!



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Marcos Antonio Rehder Batista
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  1. Marilia disse:

    Parabéns pelo artigo tão profundo.

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