Os desafios para a transição de um governo analógico para um governo digital são contínuos e complexos. No texto anterior, os entes subnacionais estavam em foco. Neste novo capítulo da série Futuro Digital, o foco recai sobre os caminhos possíveis para que governos inovem em parceria com diferentes setores, fomentando os chamados ecossistemas de inovação.
Vamos analisar os principais entraves, os modelos emergentes e, sobretudo, o papel estratégico que gestores públicos podem assumir na construção de um novo tipo de relação com o setor privado – mais ágil, mais inteligente e mais voltada ao cidadão.
Então, como os governos podem inovar com agilidade sem esbarrar em travas morosas? Siga a leitura aqui!
Ecossistema de Inovação: Por que importam?
As transformações tecnológicas seguem avançando nos mais variados segmentos da sociedade. Ao mesmo tempo, as demandas por serviços públicos mais eficientes, modernos, acessíveis e centradas no cidadão seguem aumentando. Por conta disso, torna-se cada vez mais necessário o fortalecimento de ecossistemas de inovação integrados, colaborativos e orientados por resultados.
Esses ambientes são dinâmicos e são compostos por instituições, organizações, universidades, infraestrutura e arranjos institucionais que interagem para promover o desenvolvimento de pesquisas, tecnologias, produtos e negócios inovadores. Os ecossistemas de inovação servem como forma de atrair empreendedores e investimentos.
O desenvolvimento de ecossistemas de inovação é também uma política pública eficaz para o desenvolvimento econômico local. Esses polos são responsáveis pela geração de empregos, crescimento da vocação empreendedora e pela captação de recursos vindos de fora. Parques tecnológicos, incubadoras, hubs de inovação e espaços de coworking são exemplos bem sucedidos de infraestruturas inovadoras.
Logo, o ecossistema de inovação também deve ser entendido como um ambiente em que governos colaboram com startups e empresas emergentes para entregar produtos e serviços de interesse coletivo. Ele representa uma mudança de paradigma na forma como os governos se relacionam com a inovação. A gestão deixa de ser apenas compradora de soluções prontas para se tornar co-criadora de tecnologias voltadas para o interesse público.
Esse ecossistema envolve uma ampla rede de atores: startups, empresas de base tecnológica, laboratórios de inovação, sandboxes, parques tecnológicos, entre outros. O que os une é o compromisso com o desenvolvimento de soluções digitais que enfrentam desafios concretos da administração pública, que vão desde a digitalização de serviços à gestão de políticas públicas.
Conheça a criação do Laboratório de Inovação em Gestão de Pessoas de Campinas (SP) aqui!
Eles importam porque ampliam a capacidade de inovação dos governos, especialmente em contextos onde faltam recursos, tempo ou estrutura técnica. Ele permite que soluções criadas fora da máquina pública contribuam diretamente para melhorar a vida das pessoas, promovendo mais agilidade, transparência e efetividade na entrega de serviços.
Barreiras e desafios
Apesar do potencial transformador dos ecossistemas de inovação, a construção de parcerias entre startups, empresas, academia e governos ainda enfrenta diversos entraves. Esses obstáculos dificultam tanto a entrada de soluções inovadoras na administração pública quanto a escalabilidade dos projetos que conseguem ser implementados.
Um dos principais desafios é a falta de canais claros de interação entre o setor público e as startups. Isso se soma a ausência de incentivos institucionais à inovação e uma cultura organizacional marcada pela aversão ao risco, na qual o receio de cometer erros paralisa iniciativas que poderiam gerar grandes benefícios à população.
Há ainda barreiras normativas e jurídicas relevantes. A rigidez das regras de contratação pública, a insegurança jurídica na prestação de contas e a dificuldade de comprovação dos resultados de soluções inovadoras acabam afastando empresas que poderiam contribuir significativamente para o setor público.
O Marco Legal das Startups, aprovado em 2021, por exemplo, trouxe avanços ao tentar criar um ambiente mais seguro e simplificado para esse tipo de contratação, mas sua aplicação prática ainda encontra resistência ou desconhecimento em muitas administrações.
Além disso, a falta de cultura de inovação nos órgãos públicos limita a adoção de modelos mais ágeis, colaborativos e centrados no cidadão. Os padrões de comportamento desenvolvidos ao longo dos anos, dificultam a experimentação de novas abordagens e o uso de tecnologias emergentes.
Em muitos casos, a inovação ainda é tratada como um projeto paralelo, restrito a pequenas equipes, e não como um valor institucional transversal. Isso compromete a criação de ambientes propícios à cocriação com startups, à testagem de soluções em ciclos curtos e à implementação incremental de melhorias nos serviços públicos.
Esses desafios podem ser agrupados em três ordens fundamentais: regulação, capacitação e investimento. Sem reformas regulatórias que ampliem as possibilidades de contratação, sem gestores capacitados e abertos à inovação, e sem recursos financeiros (ou modelos alternativos de fomento), será difícil consolidar ambientes propícios à inovação como caminhos viáveis e sustentáveis de transformação do setor público.
Afinal, como inovar?
Mesmo diante dos desafios, existem caminhos concretos para aproximar o setor público das soluções inovadoras. Um deles passa pelo estímulo aos ecossistemas de inovação que são entendidos como espaços que agregam infraestrutura e arranjos institucionais e culturais, capazes de atrair empreendedores e recursos financeiros.
Esses ecossistemas potencializam o desenvolvimento da sociedade do conhecimento e incluem parques científicos e tecnológicos, cidades inteligentes, distritos de inovação e polos tecnológicos. Esses ambientes são férteis para gerar conexões entre o setor público, o privado e a academia, criando oportunidades para resolver problemas públicos com inteligência coletiva e tecnologia aplicada.
A Carta Brasileira para Cidades Inteligentes as define como cidades e territórios que promovem o desenvolvimento urbano sustentável por meio da transformação digital, atuando de forma planejada, inovadora, inclusiva e colaborativa. Elas usam tecnologias para resolver problemas reais, reduzir desigualdades, ampliar a eficiência dos serviços públicos e melhorar a qualidade de vida da população, sempre com responsabilidade no uso de dados e das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).
Incubadoras, aceleradoras e hubs de inovação cumprem um papel estratégico ao atuarem como pontes entre governos e startups. Elas ajudam a traduzir os desafios da gestão pública em demandas tecnológicas claras, oferecem suporte técnico às startups e criam as condições para que soluções inovadoras sejam experimentadas com segurança.
Programas de sandbox regulatório são uma prática positiva para envolver os atores dessa rede. Esses espaços servem como ambiente regulatório experimental, com o objetivo de testar serviços, produtos e processos inovadores mesmo quando ainda não existe regulação prévia. Um exemplo de sucesso é o caso do SandBox.Rio, da cidade do Rio de Janeiro, que fomenta um sistema de parcerias e impulsiona a inovação local.
Eventos como hackathons e desafios de inovação aberta também têm se mostrado eficazes para aproximar as partes envolvidas, promovendo ciclos rápidos de teste, validação e escalabilidade de soluções. Um grande exemplo no setor público, é o E.I.T.A! Recife, um programa que identifica desafios da cidade do Recife e cria um ambiente propício para realizar conexões capazes de implementar soluções inovadoras.
Um hackathon é uma competição colaborativa que une pessoas de diferentes áreas, como tecnologia, design e empreendedorismo. Nesses eventos, equipes se reúnem para buscar soluções criativas e inovadoras para um desafio predefinido, com o objetivo de agregar valor público e trazer diferentes formas de resolver um problema. Quer saber mais sobre essa experiência imersiva de inovação, colaboração e impacto? Acesse aqui os materiais da Enap – Como fazer um Hackathon?
A inovação também passa pela atuação estratégica dos gestores públicos. É fundamental que servidores e lideranças assumam o protagonismo nesse processo, buscando conhecimento sobre novas tecnologias, compreendendo os potenciais do ecossistema de inovação e adotando posturas mais colaborativas e menos avessas ao risco.
O desafio está em transformar o aparato público em um parceiro ativo da inovação, com regras claras, mas sem engessamentos excessivos. Governos que conseguirem alinhar segurança jurídica com agilidade e visão de futuro estarão mais preparados para entregar serviços públicos melhores, mais inclusivos e centrados nas reais necessidades da população.
O Papel das PPPs nos ecossistemas de inovação
Nesse contexto, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e os outros modelos de contratualização ganham relevância como mecanismos estruturantes para viabilizar soluções tecnológicas em larga escala. O uso estratégico desses instrumentos pode transformar o processo de inovação em uma política de Estado, com capacidade de escalar soluções.
Essas colaborações são essenciais para impulsionar o Governo Digital no Brasil. Por meio dessas parcerias, a administração pública consegue incorporar novas tecnologias com maior agilidade e aprimorando a oferta de serviços para a população. Assim, governos podem encontrar mais facilidade para acompanhar as tendências tecnológicas.
A cooperação dos territórios com empresas e as chamadas startups GovTechs resultam em soluções mais sólidas e customizadas às demandas do setor público, fomentando um ambiente de inovação constante e capacidade de adaptação frente às mudanças. Essas organizações são responsáveis por desenvolver soluções digitais inovadoras aplicadas diretamente ao setor público. Mais do que isso, é uma abordagem voltada à resolução de problemas públicos com uso de dados, tecnologias digitais e métodos ágeis. As startups GovTech se destacam por criar soluções específicas para os desafios da administração pública.
Confira o Observatorio Govtech, uma iniciativa da CAF que tem como objetivo conhecer quem são, onde estão e o que fazem as startups govtech na Ibero-América.
Um exemplo concreto da aplicação bem-sucedida de uma parceria entre o setor público e uma GovTech é o caso da PGS Medical. Em colaboração com a Prefeitura de Penedo (AL), a empresa implantou uma plataforma baseada em inteligência artificial para melhorar o atendimento a pacientes com doenças crônicas. Em apenas 12 meses, os resultados foram expressivos, com a economia de R$ 11,9 milhões aos cofres públicos, redução de 90% nos atendimentos em UPAs e de 56% nas internações.
O modelo de contratação inovador permitiu a adoção da solução com dispensa de licitação tradicional, garantindo agilidade e segurança jurídica. Esse caso demonstra como a articulação entre governos inovadores e GovTechs pode gerar impacto real na vida das pessoas, otimizar recursos e acelerar a transformação digital da gestão pública.
Outro aspecto relevante dessa cooperação é a otimização dos recursos públicos. Ao compartilhar custos e riscos com o setor privado, o governo aumenta a probabilidade de que os projetos sejam concluídos dentro dos prazos e orçamentos previstos, reduzindo desperdícios e garantindo uma melhor gestão dos recursos.
Para que se atinja os resultados das PPPs e os demais modelos inovadores de contratualização e, esses sejam capazes de cumprir seu papel como vetores de transformação, como o citado, é necessário investir na capacitação técnica dos servidores, no fortalecimento institucional das unidades gestoras das parcerias e na criação de ambientes regulatórios mais abertos à experimentação.
Ao unir a agilidade e a capacidade de inovação do setor privado com o compromisso público de melhorar a prestação de serviços, esses instrumentos tornam-se fundamentais para construir um governo mais eficiente, centrado e dirigido pelo usuário. O futuro do Governo Digital passa por parcerias inteligentes, sustentáveis e orientadas por resultados concretos.
E você, gestor? Já considerou como os ecossistemas de inovação podem acelerar a transformação digital no seu território? Se quiser continuar aprofundando seus conhecimentos sobre o futuro digital, acesse a Plataforma Rede Juntos e fique por dentro das melhores práticas!
Postagens relacionadas
Modelo Orçamentário Brasileiro: O que são PPA, LDO e LOA?
Os desafios enfrentados pelos governos brasileiros para se tornarem digitais em escala subnacional
O Brasil precisa de uma agenda positiva para a IA
Lideranças com espírito público
Somos servidores, prefeitos, especialistas, acadêmicos. Somos pessoas comprometidas com o desenvolvimento dos governos brasileiros, dispostas a compartilhar conhecimento com alto potencial de transformação.
Deixe seu comentário!