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Maior Cuidado: um olhar humanizado para a 3ª idade

Publicado em: 24.07.25
Escrito por: Redação Tempo de leitura: 14 min Temas: Atendimento ao Cidadão, Diversidade e Inclusão Social, Parcerias Público-Privadas
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O fortalecimento das parcerias público-privadas de impacto social é essencial para o Brasil, visto que pode garantir segurança jurídica aos investidores e impulsionar a modernização da gestão pública. Ao delegar a execução de projetos a entidades privadas, o Estado pode oferecer serviços públicos de qualidade que, de outra forma, não teria condições de prestar sozinho, assegurando a continuidade e sustentabilidade dessas ações.

Nesse sentido, o projeto “Mapa da Contratualização”, liderado pela Comunitas, é uma iniciativa que busca democratizar o conhecimento sobre os processos de contratualização de serviços públicos no Brasil, oferecendo uma visão abrangente das parcerias público-privadas de impacto social no país. 

Crédito da Imagem: Patrícia Nogueira/Prefeitura de Belo Horizonte

Dentre as mais de 7 mil parcerias mapeadas pelo projeto, os municípios se destacam como protagonistas na formalização de parcerias com o setor privado, abarcando uma fatia de 63,1% do total analisado. Em sua 3ª edição, o Mapa destaca 39 experiências bem-sucedidas realizadas em diversos territórios para inspirar e apoiar gestores públicos de todo o Brasil na elaboração de seus planos de governo. Um desses casos é a Maior Cuidado, de Belo Horizonte (MG).

Programa Maior Cuidado

O Programa Maior Cuidado, promovido pela Prefeitura de Belo Horizonte em parceria com o Grupo de Desenvolvimento Comunitário (GDECOM), oferece atendimento domiciliar personalizado a idosos em situação de extrema vulnerabilidade. Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dessa população, o programa atua proativamente, identificando casos de vínculos fragilizados e promovendo cuidados diretamente nas residências.

Com apoio de uma equipe multidisciplinar dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), o programa disponibiliza entre 20 e 30 horas semanais de assistência, contemplando tarefas como auxílio nas atividades diárias, administração de medicamentos e suporte à higiene pessoal.

Integrando saúde e assistência social, o Maior Cuidado prioriza a autonomia e o direito dos idosos de permanecerem em seus lares, com segurança e dignidade, enquanto previne a violação de seus direitos. Atualmente, a iniciativa atende às 34 regiões cobertas pelos CRAS em Belo Horizonte.

Visão do gestor – desafios e conquistas na construção de uma política de cuidado

Em entrevista exclusiva para a Comunitas, o Subsecretário de Assistência Social de Belo Horizonte, José Crus, compartilha insights sobre os desafios enfrentados, as estratégias adotadas e as possibilidades de replicação dessa iniciativa em outros territórios. Confira a seguir:

1 – Como surgiu a demanda por uma política de cuidado voltada para pessoas idosas em situação de vulnerabilidade social e como essa lacuna foi identificada?

A demanda por uma política de cuidado voltada para pessoas idosas em situação de vulnerabilidade social surgiu a partir da observação de um aumento na demanda por acolhimento institucional de idosos. Era claro que muitas dessas pessoas estavam sendo encaminhadas para abrigos devido a situações graves de violação de direitos, como abandono, maus-tratos e isolamento social. No entanto, o custo da institucionalização é muito alto e nem sempre é a melhor solução para garantir a dignidade e os direitos dos idosos.

A lacuna foi identificada principalmente por meio de dados e informações coletadas pelas áreas de assistência social, saúde e educação, que mostraram o impacto dessas situações na vida dos idosos. Com essas informações, foi possível perceber a necessidade urgente de uma política pública que atuasse de forma preventiva, oferecendo suporte no ambiente familiar e comunitário, antes que a situação se agravasse e fosse necessário o acolhimento institucional.

Foi assim que nasceu o programa Maior Cuidado, com o objetivo de garantir que os idosos permanecessem em seus lares e na convivência familiar, evitando o rompimento desses vínculos. A partir da identificação dessa necessidade, o Estado se mostrou proativo, criando uma política pública baseada em dados reais e nas necessidades emergentes da população, para proteger os direitos dos idosos e oferecer um envelhecimento mais digno e seguro.

2 – Como os custos do atendimento foram um fator importante, poderia explicar o processo que levou à escolha de firmar um contrato de gestão com uma organização para prestar esse serviço?

Os custos do atendimento foram, sim, um fator fundamental para a escolha de firmar um contrato de gestão com uma organização da sociedade civil. Quando a gente olha para o acolhimento institucional, o custo é muito alto, tanto para o Estado quanto para a sociedade, e nem sempre atende da melhor forma às necessidades dos idosos. Muitas vezes, o que os idosos precisam é de apoio para permanecerem em seus lares, próximos de suas famílias e comunidades, evitando o rompimento de vínculos.

No caso do programa Maior Cuidado, optamos por estabelecer essa parceria com uma organização porque ela permite um modelo de gestão mais eficiente e especializado. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) tem normas e regulamentações muito claras, como a Resolução 109 de 2009 do Conselho Nacional de Assistência Social, que permite que serviços como esse sejam executados em parceria com entidades do terceiro setor, desde que estejam vinculadas ao sistema e sigam todas as regras de prestação de contas e monitoramento.

Essa escolha também foi fundamentada na ideia de corresponsabilidade. O Estado não está abrindo mão do seu papel; pelo contrário, ele coordena, acompanha e monitora todas as etapas do serviço. Mas, ao trabalhar com uma organização que já tem experiência e capacidade técnica, conseguimos ampliar o alcance do programa e garantir que o atendimento chegue com mais qualidade e agilidade aos idosos que realmente precisam. Essa parceria possibilita integrar saúde e assistência social de maneira mais eficiente, otimizando os recursos e garantindo que o cuidado seja realmente humanizado e efetivo.

3 – Como a governança do programa está interagindo com a sociedade civil e as instâncias de controle social?

A governança do programa está profundamente conectada à sociedade civil e às instâncias de controle social, principalmente por meio do Conselho de Assistência Social. O Conselho é a instância máxima de deliberação e tem um papel fundamental de fiscalizar os serviços, programas e projetos. Ele é paritário, com 50% de representação do governo e 50% da sociedade civil, o que garante que as decisões e os encaminhamentos sejam discutidos de forma ampla e democrática.

Além disso, as organizações da sociedade civil que executam os serviços, como o programa Maior Cuidado, também participam ativamente no Conselho. Isso cria um espaço de diálogo constante, onde a sociedade civil tem voz para fiscalizar, propor melhorias e assegurar que os serviços estejam alinhados às necessidades da população.

Outro ponto importante é a corresponsabilidade. A parceria com essas organizações não é apenas operacional, mas estratégica. O Estado coordena e monitora as ações, enquanto as entidades complementam o atendimento direto, especialmente nos serviços do SUAS, como o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Essa relação é regulamentada pela Lei 13.019/2014 (MROSC), que reforça a parceria e a corresponsabilidade entre o Estado e a sociedade civil.

O acompanhamento também se dá nos territórios, através dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), onde os servidores efetivos identificam as famílias que precisam de cuidados mais específicos e as encaminham para os programas de proteção. Essa integração entre Estado, sociedade civil e controle social é o que garante a qualidade e a efetividade do programa, sempre priorizando a transparência e a participação ativa dos usuários e trabalhadores do sistema.

4 – Ao longo desses anos de parceria com a mesma OS, vocês identificaram dificuldades na operacionalização do programa? Como esses ajustes foram feitos e quais aprimoramentos estão sendo considerados para o futuro?

Ao longo desses anos de parceria com a mesma organização social, é inegável que enfrentamos algumas dificuldades na operacionalização do programa, mas também avançamos muito. Um dos maiores desafios tem sido a integração com a saúde, especialmente no entendimento das funções específicas de cada área. A intersetorialidade é uma ideia que funciona muito bem no papel, mas na prática, exige ajustes constantes. Por exemplo, ficou claro desde o início que os cuidadores não podem substituir profissionais de saúde, como agentes comunitários ou equipes que fazem atendimento domiciliar. Essa definição de papéis é algo que sempre precisamos reforçar.

Outro ponto crítico é garantir a formação contínua e o apoio técnico aos profissionais contratados pela OS. Essa é uma responsabilidade nossa, como órgão gestor, e algo em que investimos bastante desde 2016. Estabelecemos uma retaguarda de apoio compartilhada, inclusive com a saúde, para garantir que os profissionais estejam preparados e alinhados com as diretrizes do programa.

A questão da violência contra pessoas idosas e a violação de direitos também exige um olhar muito atento. Ajustamos o programa para que os cuidadores possam identificar sinais de vulnerabilidade e acionar as equipes responsáveis rapidamente, garantindo uma resposta ágil e eficiente.

Para o futuro, estamos discutindo aprimoramentos importantes. Há um projeto de lei em tramitação que pode ajudar a ampliar o alcance do programa, especialmente para outras populações que também precisam de cuidado, como crianças na primeira infância e pessoas com deficiência. Estamos pensando em uma política de cuidado mais abrangente e integrada, que também inclua apoio aos cuidadores, sejam eles familiares ou profissionais.

Além disso, continuamos buscando melhorar a integração com outras políticas públicas, sempre reforçando a importância de cada área cumprir seu papel sem sobrecarga. É uma gestão desafiadora e complexa, mas estamos comprometidos em avançar e garantir que o programa atenda cada vez melhor a quem mais precisa.

5 – Como o programa Maior Cuidado beneficia idosos e familiares, principalmente mulheres cuidadoras, e quais os possíveis impactos indiretos, como geração de empregos?

O Maior Cuidado não apenas garante que o idoso receba atenção e cuidados adequados no domicílio, mas também proporciona um suporte importantíssimo às dinâmicas familiares. O tempo que essas mulheres ganham, de 20 a 30 horas semanais, é fundamental. É um tempo em que elas podem cuidar de si mesmas – seja indo a uma consulta médica, resolvendo pendências pessoais ou simplesmente descansando. Isso alivia a sobrecarga emocional e física que o cuidado intensivo demanda.

Além disso, o programa fortalece os vínculos familiares e comunitários, ampliando as redes de apoio ao redor dessas famílias. Ele também fomenta a autonomia tanto dos idosos quanto dos cuidadores, evitando, sempre que possível, a institucionalização. Isso é muito importante, porque mantém o idoso inserido no núcleo familiar e no território onde vive, respeitando o direito à convivência comunitária.

Agora, falando de impactos indiretos, o programa também movimenta a economia local e gera oportunidades de emprego. Ele cria postos de trabalho para cuidadores, que passam por formações específicas e têm a chance de contribuir ativamente na construção de uma política pública tão essencial. Há também um potencial para novas discussões, como o reconhecimento do cuidado como um trabalho formal, garantindo direitos e condições dignas para esses profissionais.

Sem contar que, ao evitar situações de violação de direitos e garantir melhores condições de vida para os idosos, o programa reduz demandas emergenciais em outros sistemas, como saúde e justiça, gerando impactos positivos para toda a sociedade. É um programa que cumpre um papel social transformador, ao cuidar não apenas de quem é cuidado, mas também de quem cuida.

6 – Existem estudos que comprovem a economia gerada pelo programa Maior Cuidado ao reduzir a necessidade de internação em abrigos? Como a contratação de uma OS contribui para a otimização dos recursos públicos nesse processo?

Eu vou tentar explicar um pouco essa lógica de custos, porque a questão do cuidado realmente é cara. Por exemplo, um idoso em uma unidade de acolhimento institucional custa cerca de R$ 10 mil por mês, sendo que a prefeitura repassa cerca de R$ 5.600, quase R$ 6 mil para essas unidades, além dos benefícios indiretos como isenção de IPTU e da cota patronal, por exemplo. Isso representa um custo bem alto, mas a gente tem que ver que, por outro lado, o serviço de prevenção, o Maior Cuidado, que visa identificar e prevenir situações de risco, é muito mais econômico e eficaz. Ele ajuda a evitar que as pessoas precisem ser institucionalizadas, que é uma situação muito mais cara.

O que a gente faz é trabalhar para que o Estado não precise assumir situações de permanência longa nos abrigos, especialmente quando a causa principal é a pobreza, não a falta de vínculos familiares. O que queremos é que as famílias se fortaleçam e permaneçam juntas, sem necessidade de institucionalização, que deve ser uma medida provisória e emergencial.

Agora, falando em eficiência, a contratação de uma OS para gerenciar essa prevenção é importante. Ela auxilia porque a gestão via OS pode ser mais ágil, sem a necessidade de alocar servidores públicos para gerenciar diretamente esses programas, o que também ajuda a otimizar os recursos da Secretaria. Nós estamos implementando novos CRAS, e com isso o serviço de convivência, o acompanhamento familiar e os benefícios eventuais chegam diretamente a essas famílias, evitando rupturas e agravamento das violações de direitos.

O nosso trabalho está em integrar esse programa a uma rede maior de apoio. Não é algo isolado, ele é parte de um esforço contínuo para fortalecer a proteção familiar e garantir que as famílias sejam acompanhadas de perto, com apoio de serviços de proteção social. É uma rede que vai além da prevenção, tratando também de necessidades pontuais, como a reposição de itens essenciais, e sempre com foco em não deixar ninguém para trás.

7 – Considerando a experiência de Belo Horizonte, quais são os principais desafios e oportunidades para a replicação desse modelo de contrato em outros municípios? Como a cidade tem apoiado outros entes nesse processo?

Belo Horizonte sempre foi referência na estruturação de serviços e programas no campo da assistência social. Desde a criação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993, a cidade foi pioneira na implantação e organização dos serviços de assistência social, tornando-se modelo para outros municípios. Recebemos gestores de várias partes do Brasil, quase semanalmente, interessados em conhecer nossas práticas e experiências. Considero uma responsabilidade compartilhar o que temos feito, principalmente quando vemos que os resultados impactam positivamente a população vulnerável.

No caso do programa Maior Cuidado, temos visto muitos municípios, tanto grandes quanto pequenos, se inspirando e implantando iniciativas semelhantes. Claro que cada cidade tem suas particularidades e necessidades, e não se trata de simplesmente copiar e colar o modelo de Belo Horizonte. A adaptação é fundamental, mas o que faz o programa ter sucesso é a integração com a rede de proteção social. O cuidado com o idoso, por exemplo, só tem efetividade quando ele está conectado com outros serviços, como o acompanhamento familiar e a gestão coordenada pelo Estado.

Apesar do sucesso, ainda enfrentamos desafios, como a universalização do programa. Atualmente, ele está presente em 34 territórios, mas ainda não conseguimos expandir para todas as famílias que necessitam desse cuidado. Isso é um dos nossos maiores desafios, porque o programa só faz sentido se for acessível a todos que precisam, e se estiver totalmente integrado aos outros serviços de proteção e apoio à família. Nossa meta é continuar avançando para que a assistência social se torne verdadeiramente universalizada no Brasil.

 

Quer saber mais sobre esse e outros processos de contratualização bem sucedidos? Baixe gratuitamente a 3ª edição do Mapa da Contratualização!

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