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Infraestrutura no Brasil: novas ideias para problemas persistentes

Publicado em: 18.07.22 Escrito por: Paulo Alexandre Barbosa Tempo de leitura: 5 min
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Infraestrutura no Brasil: novas ideias para problemas persistentes

Julho, 2021

Foto por Ricardo Gomez Angel | Unsplash
Há anos sabemos que a melhoria da infraestrutura é uma das tarefas mais importantes para o desenvolvimento brasileiro. Em qualquer país do mundo, esses equipamentos são fundamentais para gerar empregos, escoar a produção doméstica e conectar pessoas e mercados. O recente debate sobre redes 5G apenas confirma esse diagnóstico. Enquanto alguns países lograram superar os gargalos que dificultavam a fluidez em transporte e comunicação em seus territórios, o Brasil continua aquém de suas necessidades.
O investimento brasileiro em infraestrutura, atualmente, é insuficiente até mesmo para assegurar a manutenção do capital fixo instalado. Esse montante é menos da metade do que investem, proporcionalmente, os pares emergentes brasileiros. Para alcançá-los, de acordo com a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), o país precisaria investir algo entre 4 e 8% do PIB por duas décadas. Os desafios mais expressivos para se atingir essa realidade são a construção de uma estrutura sólida de garantias, a existência de regras fiscais mais realistas e maior segurança jurídica.
O problema das garantias em contratos com a
administração pública é bem conhecido. Prova disso é o fato de que o Banco Mundial criou, ainda em 1988, a Agência Multilateral de Garantia de Investimento (MIGA, em inglês), que se concentra na provisão de garantias contratuais a países em desenvolvimento, sobretudo em infraestrutura. No Brasil, a pacificação jurídica sobre a constitucionalidade da utilização de cotas do ICMS para essa finalidade foi um avanço.
Como, todavia, as necessidades brasileiras em infraestrutura são grandes, um volume financeiro muito mais expressivo de garantias será, também, indispensável.
Uma possibilidade para se avançar, nesse sentido, é a constituição de fundos de bitcoins (BTC) para infraestrutura. Como o bitcoin é uma classe de ativo deflacionária, que ganha valor ao longo do tempo, um fundo dessa natureza terá seu poder garantitório crescentemente fortalecido. Governos como os de El Salvador, que passou a adotar o BTC como moeda oficial, e a prefeitura de Miami, que decidiu colocar parte de seu caixa em BTC, mostram que o emprego público desta criptomoeda como espécie de hedge contra a inflação e desvalorizações cambiais já é uma realidade pelo mundo.
Diferentemente da mal-sucedida experiência brasileira com a constituição de fundos voltados para a universalização de serviços públicos, como foi o caso do FUST, na área de telecomunicações, um fundo garantitório em BTC não seria um montante de recursos com elevado custo de oportunidade (recursos “parados”) e considerável sacrifício à renda do consumidor (taxações em contas de telefone).
Outro aspecto que precisará ser enfrentado para que investimentos em infraestrutura sejam perenes e robustos no país é a revisão das regras fiscais brasileiras. A criação do novo regime fiscal brasileiro (teto de gastos), em 2016, teve o mérito de despertar a sociedade para a importância de regras fiscais sólidas e de padrão de gastos eficiente, algo que se perdeu anos após a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal. A pandemia do coronavírus, contudo, antecipou a necessidade de uma nova discussão sobre regras fiscais.
No que tange à infraestrutura, caberá decidir se investimentos, nesse domínio, deverão ser excepcionalizados do teto. Em caso positivo, haverá o risco moral (moral hazard), de se desvirtuar o regime como um todo. Em caso negativo, será preciso tomar decisões penosas sobre quais gastos reduzir para se abrir espaço fiscal para investimentos. No mundo ideal, a segunda alternativa poderia ser viabilizada por um conjunto de reformas, como a administrativa e a tributária, mas, como reformas costumam ser brandas no Brasil, dificilmente será possível manter o regime fiscal de 2016 e, simultaneamente, elevar o investimento em infraestrutura. Será preciso, cada vez mais, ter presente as necessidades de realizar cortes orçamentários e atrair a participação da iniciativa privada na execução de projetos novos (greenfield) e na manutenção das infraestruturas já existentes (brownfield), via mecanimos autossustentáveis de geração de receita (project finance). Esse esforço, no entanto, não eliminará a necessidade de uma dicussão profunda sobre eventual flexibilização do regime para investimentos em infraestrutura, dada a envergadura da demanda reprimida brasileira nessa área.
Finalmente, será preciso estabelecer marcos regulatórios setoriais que sejam verdadeiramente perenes. O histórico brasileiro não tem sido positivo, como provam os setores de ferrovias, de portos e de saneamento. Em que pese o fato de os investimentos em infraestrutura serem, por excelência, de longo prazo, mudança regulatórias têm sido constantes, o que deteriora a percepção dos agentes econômicos sobre o ambiente de negócios brasileiro.
Será necessário, pois, criar um arranjo institucional que contemple a preocupação dos investidores quanto à previsibilidade jurídica do país, o que envolve riscos como o regulatório. Para se atingir esse objetivo, ao contrário do que por vezes se supõe, não é preciso “despolitizar” o debate, mas, antes, criar consensos, como é o caso da necessidade da consolidação da política de infraestrutura como missão que cabe ao Estado brasileiro, e não apenas a governos.
O Brasil necessita de um verdadeiro choque de infraestrutura. Alguns passos nessa direção envolvem o fortalecimento das estruturas públicas de garantias, via constituição de fundos de bitcoins; o posicionamento da infraestrutura como prioridade, dentro das regras fiscais brasileiras, em razão de seus benefícios sociais e econômicos; e a elaboração de arranjos institucionais setoriais que garantam a perenidade dos marcos regulatórios, com vistas a atrair mais investidores. Quando alguns problemas persistem na sociedade, é hora de buscarmos novas ideias para solucioná-los.


*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Paulo Alexandre Barbosa
Ex-prefeito de Santos (SP) e colaborador da Comunitas
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