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Equilíbrio das finanças públicas com Ana Carla Abrão 

Publicado em: 19.01.22 Escrito por: Redação Tempo de leitura: 10 min Temas: Finanças Públicas
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Equilíbrio das finanças públicas com Ana Carla Abrão 

 
A convidada da Rede Juntos dessa vez é Ana Carla Abrão, especialista com longo currículo quando o assunto é Finanças. Ana Carla foi secretária da Fazenda do Governo de Goiás e fez parte do Conselho de Gestão Fiscal do município de São Paulo. Além disso, a economista já assumiu posições de destaque no Banco Central e no Itaú Unibanco. Atualmente, Ana Carla é sócia da consultoria Oliver Wayman e parceira da Comunitas em ações que buscam o equilíbrio das contas públicas governamentais.
 
A especialista é formada em Economia pela Universidade de Brasília (UNB), mestre em Economia pela Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-Rio) e doutora na mesma área pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

Confira a conversa:

#1 Comunitas – Quais os principais gargalos enfrentados pelas lideranças públicas, em meio ao atual cenário das finanças dos estados brasileiros?

Ana Carla Abrão – O principal problema que as lideranças enfrentam numa situação de crise fiscal como a que vivemos hoje é a incapacidade de executar políticas públicas com planejamento, priorização e consequente retorno para a sociedade como um todo. A gestão de crise é, por natureza, de curto prazo. O gestor está, constantemente, apagando incêndios, resolvendo problemas urgentes. Sobra pouco tempo – e menos ainda recursos – para planejar ações de longo prazo, priorizar políticas públicas de alto impacto futuro e focar em questões estruturais. A falta de recursos aliada à pressão por soluções de problemas urgentes drena capacidade de gestão e sacrifica a população como um todo, mas particularmente aquela parcela que depende do Estado para ter acesso a educação, saúde, segurança, mobilidade e infraestrutura básica como, por exemplo, saneamento. Por isso é tão importante implantar soluções que resolvam de forma estrutural o problema fiscal dos Estados brasileiros.

É necessário melhor a qualidade da educação básica pública para dar melhores oportunidades às nossas crianças e jovens; há que se melhorar o sistema público de saúde para garantir uma vida mais digna a quem não tem acesso ao sistema privado e há que se investir em inteligência e controle da criminalidade para que deixemos de perder nossos jovens para a criminalidade. O Estado tem que voltar a planejar e a investir e dar espaço para que a iniciativa privada também invista para melhorar o dia a dia das pessoas, melhorando o transporte público e garantindo melhor infraestrutura básica e consequentemente melhores condições de vida melhores para todos os cidadãos. A agenda é ampla e complexa. Por isso mesmo, impossível de ser tocada com impacto e os necessários resultados sem recursos e sem tranquilidade e foco para a construção de soluções de longo prazo.

#2 Quais as ações prioritárias que devem ser tomadas pelos governos estaduais voltadas para o equilíbrio das finanças? Existe uma fórmula mágica?

Ana Carla – Não existe uma bala de prata. Há que se trabalhar em diversas frentes, mas que precisam ser priorizadas. A primeira delas é a Reforma da Previdência. Não há saída sem ela. A inclusão de Estados e municípios na reforma é fundamental para que se tenha chance de avançar em outras agendas também urgentes e necessárias. O déficit previdenciário de Estados e municípios é mais grave do que o da União – e também cresce exponencialmente. Se dependermos de 27 unidades federativas fazerem suas reformas, além do elevado risco de execução, estaremos condenando o País a mais um período de paralisia e incertezas. Enquanto isso, o problema se agrava, a agenda de reformas continua congestionada e a população continua pagando o elevado preço do desequilíbrio fiscal.
A segunda reforma fundamental para reequilibrar as finanças estaduais é a Reforma do Estado. A Reforma do Estado é imprescindível para se garantir ganhos de eficiência e aumento de produtividade no setor público. Tem efeitos fiscais (de curto e de longo prazo), mas tem um impacto ainda mais direto e necessário que é o de melhora na qualidade dos serviços públicos ofertados à população.
Serviços públicos são instrumento de justiça social. Educação de qualidade, serviços de atendimento à saúde, além de segurança pública e uma rede de proteção social são o único caminho para que se consiga oferecer às camadas mais pobres da população oportunidade de se desenvolver e ascender socialmente – e muitas vezes de viver decentemente. O caminho para se chegar lá passa por uma ampla reforma do estado brasileiro, visando dimensões que vão desde planejamento, até tamanho e foco da atuação do estado. Passando, necessariamente, por uma profunda reforma administrativa que começa com uma discussão de estrutura, mas se concentra na revisão do conceito e objetivo do serviço público, colocando o foco na gestão de pessoas e de talentos na máquina pública.
O cidadão tem que passar a ser o eixo central do serviço público e o resultado precisa ocupar o espaço do processo. Para que isso seja possível é necessário que se revejam os instrumentos legais que regem a relação funcional dos servidores com o Estado, as chamadas leis de carreiras. Da mesma forma, há que se revisar os processos internos e implantar ferramentas de gestão de pessoas, de avaliação de desempenho e de planejamento da força de trabalho. Só por meio da revisão do atual modelo operacional se atingirá os objetivos de racionalização de gastos, ganhos de produtividade e melhoria dos serviços públicos.

Finalmente, há que se ter foco e concentrar esforços naquilo que o Estado de fato precisa fazer para garantir um melhor atendimento à população. E aí entram as privatizações. É necessário que se coloque em prática um amplo projeto de privatização nos níveis subnacionais, contemplando empresa de concessão de serviços como distribuição de energia, saneamento, etc, mas também viabilizando concessões e parcerias público-privada que hoje consomem recursos públicos que deveriam ser direcionados a atividades prioritárias e entregam serviços de baixíssima qualidade.

#3 É possível diminuir os custos da máquina pública hoje sem pará-la?

Ana Carla – Mais do que isso, é possível diminuir os custos e torna-la mais eficiente. E esses são dois imperativos fundamentais para que se consiga resolver a crise atual que os entes subnacionais enfrentam. Por isso é necessário racionalizar os custos – por meio de melhor alocação dos recursos e corte de gastos; planejar de forma centralizada e consistente.

#4 É possível aumentar a arrecadação dos estados sem o aumento de impostos? Como?

Ana Carla – Sim, melhorando a eficiência da arrecadação e também da cobrança da dívida ativa. Ambos os processos precisam de investimentos em tecnologia para garantir maior eficiência e também mais transparência. Atualmente há grande concentração de arrecadação – em particular do ICMS, principal receita própria dos Estados – em alguns setores específicos (combustíveis, telecomunicações, energia elétrica), ainda assim, há espaço para melhorar os processos de controle, autuação e principalmente de cobrança. Estados têm enormes valores de impostos não coletados inscritos em dívida ativa. Nem tudo é cobrável, mas há espaço para melhorias substanciais na taxa de recuperação com o uso de tecnologia, inteligência artificial e dados.

#5 Como aumentar a competitividade dos estados?

Ana Carla – O primeiro passo é a melhoria das condições fiscais. Isso é condição necessária para que as demais ações de aumento de competitividade sejam postas em prática de forma eficiente. As razões já foram expostas acima: maior competitividade equivale a oferecer melhor infraestrutura, melhor capital humano, melhores índices de desenvolvimento social. Para que tudo isso ocorra, as finanças do Estado têm que estar equilibradas e organizadas de forma a permitir que o líder público se concentre e construir as condições para que esses pilares de competitividade estejam presentes.

#6 Qual a importância de uma relação público-privada na melhoria da gestão pública estadual?

Ana Carla – Estou convencida que essa parceria, intensificada por um maior engajamento da sociedade no acompanhamento nas decisões de política pública, é fundamental para a melhora da gestão pública no Brasil. A contaminação positiva do setor público por práticas hoje consagradas no setor privado, garantindo uma melhor governança, maior capacidade de execução, de avaliação de resultados e de controle precisa acontecer de forma mais intensa. Hoje já temos as iniciativas do Juntos indo nessa direção e com impactos concretos muito relevantes. Escalar isso para os Estados é uma ação importantíssima e vai certamente ajudar a consolidar a importância de termos, cada vez mais, o setor privado engajado em melhorar as práticas de gestão pública. É isso que trará resultados positivos para a sociedade como um todo.

#7 Quanto ao funcionalismo, como aumentar a eficiência da máquina pública?

Ana Carla – Três são os pontos principais e imprescindíveis para que se consiga aumentar a eficiência da máquina pública no Brasil:
  1. Há que se implantar (de verdade) um modelo meritocrático no setor público. Para isso, há que se eliminar mecanismos como promoções e progressões automáticas e gratificações desvinculadas de mérito.
  2. Há que se revisar e ou implantar avaliação de desempenho absoluta e relativa (curva forçada) em toda a administração pública e vincular promoções a essa avaliação. Da mesma forma, há que se garantir trilhas de desenvolvimento e capacitação para os servidores de baixo desempenho e demitir aqueles que não apresentam desempenho satisfatório.
  3. Há que se revisar os processos administrativos disciplinares de forma a que eles tenham termo, garantindo os preceitos constitucionais de ampla defesa e direito ao contraditório, mas também a correta penalização de faltas graves e desvios de conduta.
Para que esses três pontos estejam presentes é necessário que se faça uma ampla revisão de todas as leis de carreira da administração estadual (que correm no âmbito local, ou seja, nas Assembleias legislativas e não no Congresso Nacional), de forma a garantir que esse três pontos estejam contemplados para as diversas categorias de servidores que foram sendo criadas ao longo do tempo.

Adicionalmente, há que se estabelecer a centralização e padronização das políticas de recursos humanos, para que se possa voltar a planejar, gerir e capacitar a força de trabalho no setor público, valorizando o servidor comprometido, priorizando o interesse público e garantindo uma melhor qualidade dos serviços públicos para todos os cidadãos.

#8 É preciso/possível reinventar a máquina? Qual o caminho?

Ana Carla – Sim, é imprescindível para que o Brasil volte a crescer e passe a usar os recursos públicos em benefício dos seus cidadãos. O caminho é ter coragem de enfrentar os problemas estruturais de um modelo operacional falido, disfuncional e atrasado, substituindo-o por um outro que vise o cidadão e o resultado e não o processo e a autopreservação.

 

 

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