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Passar o bastão: por que optar por uma transição de mandato republicana?

Publicado em: 18.07.22 Escrito por: Regina Esteves Tempo de leitura: 7 min
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Passar o bastão: por que optar por uma transição de mandato republicana?

Assegurar que não haja a ruptura nos serviços públicos é condição sine qua non aos prefeitos eleitos e a maior demonstração de espírito público de um líder

Novembro, 2020

Transição entre os ex-presidentes FHC e Lula, em 2002: pela primeira vez na história do Brasil um decreto estabeleceu as regras para a passagem de bastão entre os governos (Ricardo Stuckert/PR/Divulgação)

Dia 30 de novembro, somente um dia após as eleições, os prefeitos eleitos no segundo turno iniciarão o processo de transição de governos, buscando informações, formando suas equipes e enfrentando dificuldades gigantescas que assolaram o país em 2020 e será a herança para os líderes em 2021.

Apenas um mês separa o segundo turno das eleições municipais da posse dos novos prefeitos. Isso é metade do tempo que costumamos ter no calendário eleitoral, devido ao adiamento das datas de votação em decorrência da Covid-19. Desafio triplo para quem assumirá em 1º de janeiro.

Afinal, será preciso, em tempo recorde, inteirar-se completamente de todos os programas do município para garantir a continuidade dos serviços da prefeitura e atenuar os efeitos da crise sanitária e econômica.

A resposta pode estar no processo de uma boa transição de governo. Isso começa com a criação de uma comissão de representantes da nova administração para acessar todas as informações sobre a atual gestão, entender as urgências e os contratos vigentes, assim como conhecer os servidores que tocam o dia a dia de cada pasta.

Estamos mais familiarizados com a prática quando se trata da esfera Federal, mas estas também se fazem extremamente necessárias nos âmbitos estaduais e municipais. E as transições vêm se institucionalizando e crescendo nessas esferas. E é uma prática civilizada em vários cantos do mundo.

O ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, por exemplo, tem citado, em suas recentes entrevistas, a ótima passagem de mandato por parte de George W. Bush. Uma demonstração de que o espírito republicano deve ser suprapartidário.

Já, aqui, no Brasil, temos o excelente exemplo da transição entre as administrações de FHC e de Lula, que serviu de modelo para vários países da América Latina. Em junho de 2002, último ano de governo, a gestão de Fernando Henrique Cardoso permitiu que todos os candidatos à Presidência da República, bem como partidos e coligações tivessem acesso às informações institucionais para que pudessem elaborar seus programas com base na realidade do país naquele momento.

Pela primeira vez, por meio do Decreto nº 4.199/2002, institucionalizava-se a Transição de Governo, no Brasil, e, hoje, temos, cada vez mais, boas experiências nesse sentido. Alguns estados e municípios já possuem legislações específicas.

É o caso da Lei Complementar nº 260/2014 de Pernambuco, cuja autoria foi da então Deputada Estadual, e atualmente prefeita da cidade de Caruaru-PE, Raquel Lyra, que assegura, ao candidato eleito para o cargo de Governador do Estado ou Prefeito Municipal, o direito de instituir uma comissão de transição. Mesmo não tornando a prática obrigatória, o que torna difícil a padronização, normas como essa já representam um grande avanço.

A falta dessa homogeneidade fica mais clara nos municípios, em especial, nos menores. Então, a proposta desta semana é lembrar a todos os prefeitos eleitos – e reeleitos – sobre a importância da transição.

Na Comunitas, temos promovido jornadas sobre o tema para as novas lideranças. Estamos disponibilizando checklists e ferramentas para apoiar, de forma prática, àqueles que estão entrando.

Essa experiência em dar suporte em Transições Governamentais de municípios e estados nos permite citar alguns exemplos. A primeira providência é criar uma comissão diversa, com algumas pessoas que atuarão diretamente na próxima administração, claro, mas também com servidores efetivos, que possuem experiência e condições de aportar conhecimento institucional dos diversos departamentos do governo.

Se possível, some, aessa equação, a visão de especialistas externos em cada assunto (Educação, Saúde, Segurança, etc.), que, por guardarem distanciamento da máquina pública, poderão fazer análises técnicas mais isentas.

Sabemos que os municípios têm realidades diferentes. Assim, se não houver possibilidade de formação de uma equipe híbrida (com especialistas externos e internos), um bom caminho será valorizar os servidores efetivos e que dão conta do dia a dia da administração.

Com uma equipe assim será possível, para a nova gestão, tanto saber o que precisa pedir de informações para os atuais administradores como entender o que esses dados significam e, desse modo, fazer a revisão de contratos, gestão fiscal, entre tantas outras grandes agendas.

Também é quando se pode entender quais dos programas existentes devem ter continuidade (aprimorados se necessário), sempre tendo em mente que problemas complexos exigem soluções de Estado – e não de mandato – e, por isso, as boas iniciativas de governos anteriores precisam ser mantidas. A partir desse levantamento que, registramos, este ano, será elaborado em tempo recorde, é que será estabelecido um calendário de emergências a ser cumprido para, a partir da posse, não haver qualquer chance de paralização na prestação de serviços à comunidade local.

Vale lembrar, mais uma vez, que a transição deve ser realizada, igualmente, em gestões reeleitas, para que se possam identificar espaços para melhorias, ajustar a administração à realidade, dos últimos quatro anos, e evitar impactos negativos de eventuais mudanças de vice-prefeito e secretariado.

Então, independentemente de se tratar ou não de um segundo mandato consecutivo, quem está saindo tem o dever cívico de passar todas as informações, de maneira clara e precisa. Por outro lado, quem está chegando não deve se recusar a conversar com a administração anterior. Pelo contrário! Deve-se conversar abertamente e definir como será feita a passagem de mandato. É hora de estimular a parceria entre as duas gestões, visando a continuidade administrativa.

Uma boa transição pode permitir ao prefeito começar a colocar em prática seu plano de governo logo no início do mandato. Porém, comumente, os primeiros 100 dias são cruciais, pois é nesse período que as ações identificadas como urgentes e que, se não atendidas, provocariam a descontinuidade, devem ser priorizadas.

Após esses ajustes, o novo gestor poderá se concentrar para dirigir o município de olho nas metas a serem atingidas nos próximos quatro anos e que foram estabelecidas no Plano de Governo.

Em 2021, esse início será mais desafiador, pois ainda estaremos lidando com a pandemia. Haverá grande impacto na Educação, que sofrerá consequências fortes, nos próximos anos – a exemplo da migração de muitos alunos da rede privada para a pública -, além das dificuldades de gestão nas áreas de Saúde, Assistência Social e Finanças.

Importante repetir que somente a atuação conjunta de todos os setores – público, privado e sociedade civil organizada –, em prol do bem comum, trará melhorias para o Brasil. É hora, portanto, de redobrar esforços para deixar de lado diferenças e embates de campanhas e colocar como prioridade o espírito público para que o bem-estar dos cidadãos esteja acima de quaisquer interesses individuais.



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Regina Esteves
Diretora Presidente Comunitas
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