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O desafio da comunicação pública: redes como uma amarração de buracos

Publicado em: 12.08.25
Escrito por: Michael Guedes de Aquino Tempo de leitura: 5 min Temas: Comunicação e Engajamento Cívico, Gestão de Pessoas
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“Você vai rir, sem perceber. Felicidade é só questão de ser”. Como bem resume a música de Marcelo Jeneci, a felicidade é um estado emocional relacionado à satisfação e ao contentamento. Na busca por ela ao longo dos tempos, porém, costuma-se atribuir à felicidade o tamanho e o efeito do pote de ouro no final do arco-íris. Ou seja, para ser feliz é preciso ganhar na loteria, encontrar uma nota de 200 na rua ou ser promovido no trabalho. É ter a sorte grande, ganhar uma recompensa. Puxando para o ambiente político, o pote de ouro da felicidade é ganhar a eleição e conseguir a confiança do voto do eleitor. Neste momento comemora-se, ouvem-se fogos e os discursos são inflamados. Só que tem o dia seguinte e o outro e mais um e o mandato inteiro. É aí que o desafio da felicidade como bem-estar começa.

O dia-a-dia de um governo democraticamente constituído requer, além de seriedade e dedicação, boas ideias, projetos, recursos e uma equipe qualificada. Algumas vezes, o gestor público consegue unir tudo isso. Entretanto, ainda assim, conclui o mandato com baixa avaliação e, quando testado, perde novo pleito. A frustração nesses casos tem o efeito contrário da felicidade de Jeneci. Fica então a pergunta: onde foi o erro? A primeira e costumeira resposta cai sempre no colo da comunicação. Se o político fez tanto e não obteve a felicidade da vitória, da sua reeleição ou do seu aliado, foi porque suas ações não foram bem divulgadas. É essa a acusação. 

Para entender melhor e fazer essa equação mais justa, voltemos ao significado de felicidade como bem-estar. A satisfação, como resultado de qualquer ação, deve ser conquistada e valorizada na rotina, nos pequenos e valiosos momentos, como num almoço de família, em um abraço em quem não se via há tempos, num doce consumido da padaria ou simplesmente fazendo o que se gosta. É a junção dessas sensações e sua repetição que podem fazer com que uma pessoa se sinta feliz e realizada. Em resumo: não é o pote de ouro no final, mas o que faz caminhar até lá. É o percurso. Em uma organização, seja pública ou privada, isso está atrelado a um propósito de se estar ali. Quanto mais ele for entendido, buscado e disseminado, maior a chance de a satisfação acontecer. O segredo está na criação de vínculos. 

A comunicação, então, para cumprir o objetivo de divulgar precisa, primeiro, buscar esse vínculo, o que exige conhecer o público-alvo para aí sim saber como mobilizá-lo e engajá-lo na mensagem a ser difundida. É como o princípio do algoritmo das redes sociais: quanto mais interações forem feitas, maior o alcance da mensagem. Pode parecer simples, mas a ausência desta compreensão é ainda um grande erro das administrações públicas e de suas equipes de comunicação. Da sua arrogância de especialistas, esquecem do princípio básico da arte de comunicar: ouvir. 

A distorção começa já dentro de casa. As equipes de confiança do gestor, os cargos comissionados, conhecem exatamente o propósito de estarem ali? Quais diferenciais em relação aos demais grupos os unem? Onde aquela administração pretende chegar e o que quer transformar? É a força desse vínculo que vai facilitar ou prejudicar a rotina das ideias e projetos quando eles deixarem a letra fria do papel. Antes de chegar à população, entretanto, a mobilização precisa envolver o time de servidores. Serão eles, na prática, que farão valer o sucesso de uma proposta pública. As administrações públicas, portanto, devem investir cada vez mais no endomarketing e em estratégias amplas de mobilização do funcionalismo.

Por fim, o projeto ou ação chega à eleitora e ao eleitor. Para tanto, ele tem que ter sido formulado a partir de suas necessidades, e não do que o político entende como prioridade. Um buraco em frente à porta de casa incomoda muito mais do que a falta de remédios na UBS. É claro que o medicamento no posto é urgente e deve ser garantido. Mas se o buraco não for tapado, a dor vai continuar. E muitas vezes para saber do buraco, é preciso primeiro ouvir, ter canais, não ter receio do hater. Cansa sim, muitas vezes é injusto sim, porém é o único caminho possível para buscar o vínculo. 

É óbvio que o consenso é impossível, sobretudo em se tratando de governos suprapartidários e de um mundo cada vez mais polarizado. Buscar a conexão, entretanto, fará toda diferença. A verdadeira comunicação pública, portanto, deve ser feita pelo público, e não para o público. A forma de fazê-la exige, pois, mobilização e engajamento, nesta ordem, que começa pelo grupo político, estende-se ao quadro de servidores e termina na população. É o estímulo de que isso seja construído, com todos, que garantirá o retorno que se espera de uma mensagem.   

A psicologia explica o conceito de redes como uma amarração de buracos, entendendo os buracos como a ausência de conexões. Ou seja, quanto mais nós, menor será o buraco e o vínculo será mais forte. A felicidade de um projeto político ou de Governo, então, não pode esperar a eleição. Ela precisa ser conquistada nos bairros, mas também nos gabinetes da prefeitura; nas grandes obras do plano de Governo e na zeladoria da cidade; na sedução da grande massa e, principalmente, na conquista da felicidade individual do voto como consequência da satisfação diária do cidadão. Mais nós e menos buracos.



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Michael Guedes de Aquino
Diretor de Gente e Gestão em Rodoviário Camilo dos Santos Filho
Foi Secretário de Comunicação Pública de Juiz de Fora (MG) por 7 anos
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