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Governança Corporativa e Gestão Pública I: introdução à série

Publicado em: 08.02.24 Escrito por: Marcos Antonio Rehder Batista Tempo de leitura: 13 min
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Introdução: eleições municipais, critérios e escolhas

Abraçando a máxima de que as pessoas vivem nos municípios, um ano de eleições para prefeitos e vereadores é de escolhas sobre como tudo que acontece nos estados, no país e no mundo irá incidir sobre nossa vida cotidiana, como a unidade federativa básica será gerida, com todas as oportunidades e riscos de cada conjuntura que se apresenta. Principalmente no que se refere a políticas finalísticas, como saúde, educação, assistência social, segurança, habitação, esportes e outras mais, a execução, de alguma forma, passa pela capacidade do prefeito em conciliar demandas de diferentes grupos e coordenar a execução de projetos, processo que convencionou-se chamar de “Governança”.

Neste sentido, como contribuição para este começo de preparação de eleitores e candidatos, a partir da próxima semana resgato um projeto que desenvolvi em 2020 (e continuo desenvolvendo), sobre Governança Corporativa e Gestão Pública, um conjunto de 9 vídeos sobre como os princípios  deste padrão de moderação de agentes privados pode inspirar positivamente a administração pública.

Naquela oportunidade, foram tomados como referência um documento da OCDE (2016), Princípios de Governo das Sociedades do G20 e da OCDE, e um do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC (2015), Código das melhores práticas de governança corporativa 5ª Ed., em vigor até ano passado. Como estas abordagens são voltadas sobretudo ao setor privado, o principal objetivo nestes artigo é esclarecer como os princípios de Governança Corporativa estão inseridos  no de Governança Pública oficialmente utilizado no Brasil.

Na presente reedição, 3,5 anos depois, a cada segunda-feira postarei aqui um dos 9 vídeos acompanhado de um artigo introdutório, agora à luz de referências exatamente sobre o tema indicadas pelo Tribunal de Contas da União. Tratam-se de duas publicações sobre o padrão que de fato também é usado pelos TCE’s para avaliar os agentes públicos locais, e que tem como referência o “Código” de 2015: o Referencial básico de governança aplicável a organizações públi­cas e outros entes jurisdicionados ao TCU 3ª Ed., de 2020, e Governança pública municipal: Transformando sua administração, elaborado pela Rede Governança Brasil (2020) em parceria com  CNM, TCE-MS, IGCP e Enap, acessado no próprio site do TCU.

Além desta introdução e as 9 subsequentes, ao final tratarei das mudanças presentes no novo “Código” publicado pelo IBGC em meados de 2023, e da mudança no questionário de avaliação da governança do TCU, até ano passado Índice de Governança e Gestão – iGG, ancorado no “Referencial básico” e no “Código” no IBGC de 2015, transformado em 2024 no iESGo. As duas novidades objetivam adequar seus respectivos frameworks de governança aos parâmetros ESG, mas ainda não há clareza sobre o quanto os novos critérios do TCU são tributários ao novo código do IGBC, por este motivo cada um será tratado em um artigo separado. Sendo assim, serão ao todo 12 publicações nesta série.

Apesar de terem sido consideradas nos vídeos diferenças entre governanças corporativa e pública, o fato de ter lançado mão de referências específicas para o setor privado exigem maiores esclarecimentos para uma releitura mais madura, e somar a elas dois parâmetros da principal agência de auditoria externa pública do país objetiva exatamente agora contextualizar a análise no que foi dito no âmbito do poder público.

Independente de a próxima seção deste artigo introdutório tratar especificamente disso, vale adiantar que empresas privadas e instituições públicas possuem objetivos distintos: a primeira visa o lucro, enquanto a segunda é necessariamente voltada para o bem estar social. Um outro ponto fundamental consiste nos diferentes protocolos para tomadas de decisão, delegação de poder e relação com a sociedade, e para este aspecto que seguimos agora.

Governança: do privado ao público

Como afirma o próprio “Referencial básico” de 2020, a concepção de governança adotada pela agência federal de auditoria pública deriva em grande medida da abordagem do IBGC em vigor até ano passado, partindo de seus 4 princípios elementares: transparência, equidade, accountability (prestação de contas) e responsabilidade; os mesmos critérios usados por mim para alocar os 6 princípios da OCDE aos quais recorri em 2020.

Estes 4 princípios são considerados cruciais para mitigar os decorrentes conflitos entre os interessados (principais) que compartilham a propriedade de algo (sócios que compartilham uma empresa, cidadãos que compartilham uma sociedade) e os agentes para quem delega-se o poder de decidir em nome de uma coletividade: a chamada relação agente-principal. Dado que a administração pública envolve outros elementos que não entram em cena no setor privado, o paradigma apresentado pelo TCU até agora organiza estes princípios de uma forma um tanto quanto mais abrangente, conforme pode ser visto no quadro abaixo:

(TCU, 2020, p.52)

Um primeiro detalhe a se observar é que os três primeiros princípios de Governança Corporativa (transparência, equidade/satisfação das partes e accountability) encontram-se na esfera do “Controle”, que conta com um quarto elemento, a “auditoria interna”, que promove a avaliação de conformidade e efetividade de todo o conjunto. Pode-se dizer que o último princípio da proposta do IBGC, a “responsabilidade”, corresponde tanto a esta avaliação interna quanto aos princípios normativos que acima encontram-se sob responsabilidade da “Liderança”.

Estes padrões éticos e concernentes ao plano de governo da liderança que vence as eleições, em conformidade com a legislação vigente, serão as regras dentro das quais as ações dos agentes públicos serão auditadas e os direitos dos cidadãos de usufruírem e participarem do processo político ao longo da gestão: relembrando o primeiro parágrafo, este processo de coordenação das diversas demandas e atores é a “Governança”.

Dentro deste quadro que sintetiza os parâmetros de avaliação do TCU, os 9 vídeos abordam as questões de “Controle” e os padrões normativos (propostas e constitucionalidade) executados pela “Liderança”, englobando os 4 princípios do IBGC. Pode-se dizer que os 5 fatores de “Estratégia”, a implementação de políticas públicas até a medida de sua efetividade (e riscos), agrega o conjunto de cuidados necessários para se atingir objetivos, que no caso de buscar seguir os princípios ESG, podem ser os ODS’s, algo que será discutido nos 2 últimos conteúdos da série: o “Código” do IBGC reformulado recentemente e o iESGo. Contextualizando desta forma, é possível dizer que o framework do TCU será abordado introdutoriamente ao longo desta agenda de publicações.

Os 4 princípios do IBGC, os 6 da OCDE e a organização final dos vídeos

De fato, os princípios trazidos no já citado documento da OCDE não são estritamente idênticos aos do IBGC, mas há um nítido paralelismo entre eles. Deste modo, a elaboração do conteúdo a ser trazido neste espaço a partir da próxima semana partiu de uma comparação entre estes dois frameworks originalmente desenvolvidos para instituições privadas. Segue esta comparação no quadro abaixo:

IBGC (2015) OCDE (2016)
Transparência

(Publicidade dos objetivos e procedimentos)

I) Assegurar a base para um enquadramento efetivo do governo das sociedades: A estrutura de governo das sociedades deve promover mercados transparentes e justos, assim como a alocação eficiente de recursos. Deve ser consistente com o estado de direito e apoiar a supervisão e aplicação eficazes.
Equidade

(integração das partes)

II) Os direitos e o tratamento paritário dos acionistas/cidadãos e as funções principais da propriedade/direitos (cidadãos): A estrutura de governo das sociedades deve proteger e facilitar o exercício dos direitos dos acionistas e garantir o tratamento paritário dos mesmos, incluindo os minoritários. Todos os acionistas devem ter a oportunidade de obter compensações em caso de violação dos seus direitos.

III) Investidores institucionais, mercados de ações e outros intermediários (parceiros): A estrutura de governo das sociedades deverá proporcionar incentivos sólidos através de toda a cadeia de investimento e possibilitar aos mercados acionistas funcionar de uma forma que contribua para o bom governo das sociedades.

IV) O papel dos stakeholders (sociedade civil organizada): A estrutura de governo das sociedades deve reconhecer os direitos dos stakeholders estabelecidos por lei ou por meio de acordos mútuos, e estimular a cooperação ativa entre as sociedades e os seus stakeholders na criação de riqueza, empregos e na sustentabilidade de sociedades financeiramente sólidas.

Accountability

(Resultados)

V) Divulgação de informação e transparência: A estrutura de governo das sociedades dever assegurar a divulgação de informação rigorosa de todas as questões relevantes relacionadas com a sociedade, incluindo a situação financeira, desempenho, estrutura acionista e governo da sociedade.
Responsabilidade Corporativa VI) As responsabilidades do conselho: Estrutura de governo das sociedades deve garantir a orientação estratégica da sociedade, o controle eficaz da equipe de gestão pelo conselho, e a responsabilização do conselho perante a sociedade, a partir dos padrões normativos

Importante notar que apenas em relação à “Equidade” há a necessidade de algum rearranjo. Isto porque o documento da OCDE é mais detalhado, o que é muito bom, pois se a Governança trata da capacidade de um “agente” em executar o que lhe é delegado, moderando, informando e atendendo às demandas das partes (principais), especificar diferentes envolvidos no processo ajuda em muito na compreensão deste ponto delicado, que é a principal inovação na passagem do New Public Management para a New Public Governance atual (ou, a Governança em Rede).

Por este motivo, antes dos três conteúdos específicos para cada dimensão em que se precisa coordenar a equidade, foi feito 1 apenas sobre este conceito geral. Também elaborou-se a apresentação de uma abordagem teórica  vastamente aceita sobre Governança, a de Elinor Ostrom, vencedora no Nobel de Economia em 2009, que trata muito da resiliência nos sistemas de governança de recursos de uso comum (como é o caso dos orçamentos públicos), que fecha a série.

Sendo assim, os 12 conteúdos que publicarei aqui na Rede Juntos até final de abril serão os seguintes:

  1. Esta introdução, contextualizando os princípios de governança na proposta do TCU
  2. Conceito de Governança (com vídeo)
  3. Transparência – dos procedimentos (com vídeo)
  4. Equidade – introdução (com vídeo)
  5. Equidade em relação aos cidadãos (com vídeo)
  6. Equidade em relação aos parceiros (com vídeo)
  7. Equidade em relação à sociedade civil organizada (com vídeo)
  8. Accountability/Prestação de Contas e transparência – dos resultados (com vídeo)
  9. Responsabilidade e ética das Lideranças (com vídeo)
  10. Legitimidade e resiliência organizacional e dos resultados: Elinor Ostrom (com vídeo)
  11. O novo “Código” do IBGC, em conformidade com os princípios de ESG
  12. O iESGo (TCU), em conformidade com os princípios de ESG

Palavras finais: Governança Municipal, IBGC 2023 e o iESGo

Quando tomamos a concepção de Governança Organizacional Pública do Tribunal de Contas da União, partimos do ponto de vista de quem avalia toda a gama de ações públicas que partem do Estado, estamos da ótica da União olhando para estados e municípios, e se a pretensão é trazer esta discussão para contribuir com as eleições municipais, uma ponte precisa ser construída. Na ocasião em que foram elaborados os conteúdos que vou apresentar nos próximos 3 meses, tanto a ponte entre governança privada (corporativa) e pública quanto esta adequação à realidade local foram feitas nas próprias apresentações, a partir da minha experiência e de referências.

Agora, considerei fundamental trazer um referencial de como estes padrões e a complexa estrutura institucional incide sobre os municípios, indicado pelo TCU, o Governança pública municipal: Transformando sua administração, da Rede Governança Brasil, que ainda estava ancorado no “Referencial básico” do Tribunal de 2020. Por isso também recorrerei a ele nos textos que acompanharão os vídeos.

É igualmente importante adiantar que no novo “Código” do IBGC foram mantidos os princípios de transparência, equidade, accountability e responsabilidade (nominalmente substituído por “integridade), entrando a sustentabilidade socioeconômica e ambiental como um quinto elemento norteador. Este fator a mais já estava presente no Índice de Efetividade da Gestão Municipal –  IEGM, lançado em 2014 pelo TCE-SP e atualmente utilizado por vários outros tribunais de contas estaduais para a auditoria operacional (de resultado), indicador de governança correspondente ao iESGo.

Ou seja, sustentabilidade já estava no radar das agências de auditoria externa públicas. No caso do iESGo, não foi encontrada ainda uma nova versão do Referencial básico de governança aplicável a organizações públi­cas e outros entes jurisdicionados ao TCU correspondente à nova forma de avaliação; quem sabe ela é divulgada até o 12º material, no final de abril.

Acreditando na importância em se trazer o debate sobre qualidade da governança para contribuir na elaboração de propostas de campanha viáveis e avaliação destes aspectos fundamentais nas candidaturas por parte do eleitor, tentou-se aqui uma contextualização de como os princípios de Governança Corporativa estão inseridos na Governança Organizacional Pública.

Isso foi feito com o propósito de proporcionar um sentido aprimorado para o resgate de uma série primeiramente publicada em 2020, que deu origem à uma agenda de pesquisa, e que 4 anos depois trago para este espaço da Rede Juntos, recontextualizada e ampliada, pela atualização de referenciais e amadurecimento da própria investigação que este trabalho deu origem. Espero que contribua para a qualificação de campanhas, estruturação de mandatos e orientação de cidadãos, num aspecto primordial para o desenvolvimento econômico, social e ambiental dos municípios.

Se interessou pelo tema? Continue acessando a Rede Juntos para conferir os próximos conteúdos da série!



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Marcos Antonio Rehder Batista
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