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Adaptação climática: governança global ainda permite mortes e perdas localmente

Publicado em: 23.08.24 Escrito por: Eizen Monteiro Wanderley Tempo de leitura: 12 min Temas: Meio ambiente e Sustentabilidade
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As mudanças climáticas não são apenas um problema ambiental distante, mas uma realidade que impacta a vida de pessoas em todo o planeta, localmente.

Enquanto comunidade internacional, organizamos a resposta às mudanças climáticas em mitigação, ou seja, redução das emissões de gases que causam o efeito estufa, e adaptação, que visa a nos proteger dos riscos que esse novo clima gera (aumento do nível do mar, temperaturas extremas, insegurança alimentar etc).

Estamos falhando na mitigação. Em 2023, aproximadamente metade dos dias apresentaram uma temperatura superior a 1.5°C acima da média pré-industrial (WITZE, 2024). E a falta de investimento em medidas de adaptação climática em esfera local está condenando as populações mais vulneráveis ​​a um futuro de sofrimento e perdas.

A desigualdade mortal da injustiça climática

O Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) de 2023 é contundente: “entre 2010 e 2020, a mortalidade humana causada por enchentes, secas e tempestades foi 15 vezes maior em regiões altamente vulneráveis, em comparação com regiões de vulnerabilidade muito baixa” (IPCC, 2023, A.2.2). Essa disparidade flagrante revela uma injustiça climática que exige uma resposta urgente e robusta.

As perdas são mais graves nas regiões mais pobres, mas mesmo nos países ricos, há um montante significativo de perdas financeiras. A Agência Europeia para o Meio Ambiente (EEA, em inglês) aponta que as perdas dos 27 países da União Européia entre 1980 e 2021 superou os 560 bilhões de euros em razão de mudanças climáticas e de temperatura. Os dados apontam que 67% a 75% dessas perdas não estavam asseguradas.

A gravidade da situação é ainda mais evidente quando consideramos que as mudanças climáticas não afetam todos de maneira igual. Regiões com menor capacidade econômica e infraestrutura precária são as mais atingidas, enfrentando não apenas os impactos diretos dos eventos climáticos extremos, mas também uma recuperação mais lenta e onerosa. Isso reforça a necessidade de investimentos globais em adaptação e mitigação, que levem em consideração a vulnerabilidade das populações mais pobres. Sem uma abordagem equitativa e inclusiva, as consequências dessas catástrofes continuarão a perpetuar o ciclo da pobreza, ampliando as desigualdades já existentes.

Ademais, a falta de seguros que cubram as perdas associadas aos desastres climáticos em muitos países, incluindo nações desenvolvidas, destaca a necessidade de políticas públicas mais eficazes e de uma maior conscientização sobre a importância da resiliência climática. Governos e setores privados precisam trabalhar juntos para garantir que todas as comunidades, independentemente de sua localização ou condição econômica, tenham acesso a mecanismos de proteção financeira e suporte em caso de catástrofes. Só assim será possível mitigar as perdas e promover uma resposta global mais justa e efetiva às mudanças climáticas.

Disrupção induzida pelo clima

O que vai nos custar mais caro: a adaptação climática ou a disrupção das economias globais em razão das mudanças climáticas?

Em 2024, aproximadamente 2.000 cidades na França ficaram sem seguro. A frequência e severidade das mudanças climáticas aumentaram os riscos de perda dos bens segurados. Em resposta, as seguradoras repactuaram seus prêmios e, em alguns casos, interromperam os contratos de seguro. Essa disrupção do mercado de seguros, que não será exclusivo na França, acende um alerta para investimentos futuros.

Quantas plantas industriais podem ser afetadas pelos eventos extremos? Quantos acordos comerciais são impactados? Quantas cidades, portos, aeroportos correm risco iminente por eventos extremos?

O papel dos entes subnacionais

Os impactos das mudanças climáticas são contabilizados localmente. Estima-se que 70% das cidades serão afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas (Climate Policy Initiative, 2021). No entanto, as consequências e riscos advindos dos desastres será vivenciado de forma única por cada cidade, por questões geográficas, econômicas, sociais etc.

Nesse escopo, é importante termos em mente a urgência de garantir que cidades recebam investimentos financeiros e condições capacitantes para que, de fato, façam suas matrizes de risco e criem um plano efetivo de adaptação climática.

Para além das políticas de mitigação e adaptação, é crucial que a justiça climática seja integrada nas agendas internacionais de desenvolvimento e direitos humanos. A crescente disparidade entre os que sofrem mais e os que são menos afetados pelas mudanças climáticas não é apenas uma questão ambiental, mas uma questão de equidade e dignidade humana. Países e comunidades que historicamente contribuíram menos para a emissão de gases de efeito estufa são, paradoxalmente, os que mais enfrentam as consequências desses fenômenos. Assim, a redistribuição de recursos, o fortalecimento de capacidades locais e a transferência de tecnologias limpas devem ser priorizados para que todos tenham condições de enfrentar os desafios impostos por um planeta em aquecimento.

Nesse contexto, o papel da comunidade internacional é fundamental. Acordos como o Acordo de Paris precisam ser implementados com rigor e comprometimento, especialmente no que tange ao financiamento climático para os países em desenvolvimento. É imperativo que as nações mais ricas cumpram suas promessas de apoio financeiro e técnico, facilitando a transição para economias mais sustentáveis e resilientes. Somente por meio de uma cooperação global, que reconheça e corrija as desigualdades inerentes à crise climática, será possível construir um futuro onde todos possam prosperar, independentemente de sua geografia ou condição socioeconômica.

To achieve the goals of the Paris Agreement and the Sustainable Development Goals, cities need to take action but, most importantly, so do their partners. National governments; subnational, national, and international public finance institutions; civil society; and the private sector all have critical roles to play in mobilizing urban climate finance. These actors need to come together and step-up collaboration to create the enabling conditions to mobilize urban climate finance at scale as well as develop creative, workable solutions that are tailored to each city context –such as impact fees, fiscal transfers, blended finance instruments or other tools. (Climate Policy Initiative, 2021)

A lacuna financeira que agrava a crise

É fundamental investir em medidas de adaptação climática, especialmente em infraestrutura básica, segurança alimentar e construção civil. Governos e mercado devem achar seus modelos ótimos de investimento que equilibrem custos em ação para adaptação climática com os custos dos impactos negativos das mudanças do clima.

Figura 1: Relação entre investimentos em adaptação e os custos econômicos das mudanças climáticas

Fonte: EEA, 2022. Assessing the costs and benefits of climate change adaptation

Diante de todas as incertezas dos impactos das mudanças climáticas, sabe-se que investimentos em adaptação reduzem os custos das mudanças climáticas, fomentam inovação e, mais importante, evitam mortes. Conforme a European Environment Agency (2022), o aumento dos investimentos em adaptação mitiga os custos econômicos das mudanças climáticas. E esses investimentos podem ser públicos, privados ou filantrópicos.

Modelos são importantes na construção do debate acerca dos investimentos. Não obstante, deve-se olhar criticamente o modelo a medida em que assume como estáticos os custos dos impactos das mudanças climáticas. Como já mencionado, ainda há um alto grau de incerteza acerca das consequências das mudanças climáticas no curto, médio e longo prazos.

De toda maneira, o Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA ou UNEP, em inglês) registra estagnação dos planos e ações para adaptação. A estimativa é que a defasagem de financiamento em adaptação já supera um trilhão de reais (UNEP, 2023). Como já dito, há uma escassez de investimentos, o que nos força a criar formas eficientes de investir em adaptação, compondo investimento público e privado.

PPPs de Infraestrutura Climática

Os governos não conseguirão, sozinhos, realizar todas as obras necessárias à adaptação sem mobilizar capital e tecnologia do setor privado (World Bank Group. 2022). O setor privado pode auxiliar os governos na estruturação de projetos adaptados às mudanças climáticas e com arranjos negociais que acomodam os riscos financeiros em casos de cheias, secas etc.

If structured correctly, PPPs can increase climate resilience offering innovative solutions to address both mitigation and adaptation challenges. PPPs are able to provide well-informed and well-balanced risk allocation between partners offering long-term visibility and stability for the duration of a contract (often 25 or 30 years, sometimes even more), compensating climate change uncertainty through contractual predictability. (World Bank Group. 2022)

O relatório da EEA recomenda que analisemos os aspectos econômicos da adaptação em três pontos: o custo de inação, o custo de adaptação e as adicionalidades/benefícios da adaptação. Isso porque é possível que investimentos em adaptação tragam benefícios à biodiversidade, qualidade do ar, gestão hídrica, mitigação climática, saúde e bem-estar (EEA, 2022). PPPs podem não só dividir os custos climáticos, mas auxiliar governos a criar novas matrizes de risco para os projetos, principalmente os relacionados à infraestrutura.

Adaptação como oportunidade a climate techs

Já foi citada a escassez de recursos e de condições habitantes (ou capacidade técnica) dos governos locais. Nesse cenário, há uma oportunidade de investimento por parte dos governos em inovação voltada à adaptação climática.

O mercado de climate techs, empresas inovadoras que oferecem soluções inovadoras para lidar com as mudanças climáticas, oferecem uma enorme oportunidade de investimento em adaptação. Hoje há um descompasso que deve ser corrigido: setores que geram grandes emissões de carbono, como construção civil e agricultura, recebem proporcionalmente menos aporte financeiro do que outros setores, com menor impacto nas emissões.

Ambientes construídos, ou cidades, geram 17% das emissões globais de carbono, enquanto Agricultura, Florestas e Uso do Solo (AFOLU) respondem por 22%. Apesar de juntos representarem quase 40% das emissões, suas startups atraíram apenas 12% dos investimentos entre 2022-2023 (Cox, E. et all, 2023).

Fonte: Cox, E. et all, 2023

Governos e mercado podem, juntos, fomentar novas soluções que incorporem o risco climático, se valendo de climate techs.

Oportunidade

Há uma oportunidade a ser explorada: das condições de acesso a soluções inovadoras e inclusivas aos governos locais onde estão essas populações mais vulneráveis, ​​por meio de parcerias público-p

ivada. Estudos da ONG Habitat for Humanity demonstram que já existem Climate Techs que oferecem moradia resiliente e de baixa emissão de carbono em diferentes locais do globo, por exemplo.

Fonte: Woodman, P., Kuster-Jaeggi, L., & Parry, J. (2023).

Escalar essas iniciativas locais globalmente repercute em ganho de escala, fomento a bons projetos, auxílio na contratação por governos de soluções locais e maiores oportunidades de investimento.

O G20 e o vazio dos governos subnacionais

A presidência brasileira do G20 em 2024 oferece uma oportunidade singular para integrar entes subnacionais na construção de um mundo justo e sustentável. A estrutura federativa do Brasil, que inclusive acomoda consórcios de estados atuantes em agendas transversais, permite essa inovação.

No entanto, a Trilha de Sherpas do G20 não contempla explicitamente a diplomacia subnacional. As trilhas de Finanças e Social também ignoram o papel crucial dos entes subnacionais na mobilização de recursos e na implementação de políticas de adaptação.

A Trilha de Finanças do G20 também não menciona a política fiscal de entes subnacionais, ignorando um ator crucial na mobilização de recursos para adaptação climática.

O U20, iniciativa que reúne cidades no G20 Social, é um passo positivo, mas limitado. Sua convocação pelo Grupo C40 restringe o acesso e a pauta de discussões.

É urgente inaugurar em 2024, durante a presidência brasileira, um foro no escopo do G20 que inclua entes subnacionais. Essa plataforma permitiria a discussão de suas próprias questões e a construção de uma articulação não circunscrita à pauta da urbanização/cidades.

Agir Agora para Salvar Vidas e Construir um Futuro Sustentável

A inação em adaptação climática anuncia mortes e perdas desnecessárias. Ao mesmo tempo, ações aleatórias, individuais, não conseguem atrair o investimento em adaptação em um determinado local tampouco criar a capacidade necessária para enfrentar o problema. Portanto, é necessário que tenhamos programas ou planos de adaptação climática, monitorados sistematicamente e com metodologias de análise de retorno financeiro, social e ambiental, em nível subnacional ou em nível federal com abordagem mais colaborativa e inclusiva.

É urgente que governos, setor privado e sociedade civil se mobilizem para investir em soluções inovadoras e inclusivas, especialmente nas regiões mais vulneráveis ​​do mundo. Dado o cenário de escassez de recursos e da necessidade de avaliação local da matriz custo-benefício dos investimentos em adaptação, vê-se que investimento em inovação de mercado pode ser uma forma rápida de fomentar soluções em adaptação (elaboração de planos, mobilização de recursos, implementação de projetos etc.).

Nesse escopo, investimentos mais contundentes globalmente em climate techs, de base local e com capacidade de escala global poderia criar um novo fluxo de investimento ao mesmo tempo que auxiliaria governos a lidar com as incertezas da adaptação (construção de capacidades). Start-ups climáticas podem nos ensinar a contabilizar o risco climático de diferentes maneiras.

A presidência brasileira do G20 pode ser um marco na atração de investimentos e implementação de bons projetos de adaptação climática. O Brasil tem uma presença forte de entes subnacionais na questão climática. E o primeiro passo é incluir os entes subnacionais e criar espaços de diálogo entre investidores e negócios na construção de um futuro com menos mortes e perdas.

 

Referências

Alexandra Witze. Earth boiled in 2023 — will it happen again in 2024? Nature, Vol 625, 25 January 2024  https://www.nature.com/articles/d41586-024-00074-z

Climate change leaves French Towns uninsured – Department of Ecosystems and Conservation | Sokoine University of Agriculture, Climate change leaves French Towns uninsured, 29 de Janeiro de 2024

NEGREIROS, P. et al., Climate Policy Initiative. The State of Cities Climate Finance. 30 de Junho de 2021.

Cox, E., Jackson-Moore, W., Johnson, L., & Moussa, T. State of climate tech 2023. How can the world reverse the fall in climate tech investment?. PwC, 2023, October 17. https://www.pwc.com/gx/en/issues/esg/state-of-climate-tech-2023-investment.html

Dottori, Francesco & Mentaschi, Lorenzo & Bianchi, Alessandra & Alfieri, Lorenzo & Feyen, Luc. Adapting to rising river flood risk in the under climate change JRC PESETA IV project -Task 5. 10.2760/14505, 2020.

European Environment Agency (EEA). Title: Assessing the costs and benefits of climate change adaptation, Briefing no. 23/2022. EN HTML: TH-AM-22-024-EN-Q – ISBN: 978-92-9480-530-0 – ISSN: 2467-3196 – doi: 10.2800/081173 EN PDF: TH-AM-22-024-EN-N – ISBN: 978-92-9480-531-7 – ISSN: 2467-3196 – doi:10.2800/699572 https://www.eea.europa.eu/publications/assesing-the-costs-and-benefits-of

Intergovernmental Painel on Climate Change (IPCC). (2023). Summary for policymakers. In: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, H.-O. Pörtner et al. (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland. https://doi.org/10.59327/IPCC/AR6-9789291691647.001

Neves, Philippe; Jade Shu Yu Wong; Diaz Fanas,Guillermo; Lev,Carmel Ruth; Paul,Christina Jutta; Saralegui,Gisele Annette; Weekes,Khafi; Kourkoulis, Rallis; Gelagoti, Fani. Climate Toolkits for Infrastructure PPPs (English). Washington, D.C. : World Bank Group. 2022. http://documents.worldbank.org/curated/en/099120004052270615/P1746330d584ff0210a9670dcf49a5becb0

OECD. CLIMATE ADAPTATION: WHY LOCAL GOVERNMENTS CANNOT DO IT ALONE. OECD Environment Policy Paper No. 38, 2023. https://www.oecd.org/environment/climate-adaptation-why-local-governments-cannot-do-it-alone-be90ac30-en.htm

United Nations Environment Programme (UNEP). (2023). Adaptation Gap Report 2023: Underfinanced. Underprepared – Inadequate Investment and Planning on Climate Adaptation Leaves World Exposed. https://www.unep.org/resources/adaptation-gap-report-2023

Woodman, P., Kuster-Jaeggi, L., & Parry, J. EMERGING OPPORTUNITY: The Hidden Role of Sheltertech in Climate Tech Investing. Habitat for Humanity International, 2023. https://www.habitat.org/sites/default/files/documents/emerging-opportunity-sheltertech-climate-tech-investing-report.pdf



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Eizen Monteiro Wanderley
Subsecretária de Fomento a Negócios Sustentáveis e Investimento de Impacto
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