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A construção de uma mobilidade mais sustentável e da ampliação do acesso na Cidade do Recife

Publicado em: 24.06.22 Escrito por: Redação Tempo de leitura: 10 min
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A construção de uma mobilidade mais sustentável e da ampliação do acesso na Cidade de Recife

Foto por: CTTU | Prefeitura do Recife

Por Sergio Avelleda*

A Comunitas doou para a cidade de Recife dois estudos que podem ampliar as oportunidades de acesso e ao mesmo tempo contribuir para uma mobilidade mais sustentável para o planeta e saudável para os cidadãos que moram na capital de Pernambuco.

A mobilidade urbana é um dos grandes fatores de contribuição para a emissão de gases de efeito estufa. As cidades respondem por 75% das emissões dos gases de efeito estufa e por 2/3 do consumo mundial de energia, onde o setor de transporte é o grande responsável pela maioria das emissões. Portanto, a prioridade para o combate às mudanças climáticas passa, necessariamente, pela eliminação das emissões nas cidades.

Estudo I: Mobilidade urbana sustentável

Assim sendo, o primeiro dos dois estudos praticados em Recife, diz respeito à adoção de uma frota de ônibus mais sustentável que abandone os motores a movidos à diesel. Isso porque, os ônibus provocam a emissão de dióxido de carbono (CO2), grande contribuinte do efeito estufa e das radicais mudanças climáticas, bem como material particulado e óxido de nitrogênio (Nox), responsáveis por graves doenças respiratórias à população a eles expostas.

Um levantamento preliminar já realizado por este estudo em andamento aponta que a frota de mais de 2.100 ônibus, a qual atende toda a região metropolitana de Recife, emite anualmente 270.214 toneladas de CO2, 620 toneladas de Nox e 6 toneladas de material particulado.

É urgente, portanto, a ação em direção a uma frota que elimine essas emissões e contribua tanto para melhoria da qualidade do ar local, resultando na diminuição da ocorrência de doenças respiratórias entre os moradores expostos à poluição, como a eliminação da poluição sonora para que finalmente seja fornecida uma contribuição decisiva para estancarmos as mudanças climáticas e suas nefastas consequências na cidade.

Ou seja, o estudo irá apontar as soluções existentes no mercado de ônibus hoje, as suas vantagens e desvantagens, as principais barreiras para adoção de novas soluções, as ações necessárias para a redução ou eliminação dessas barreiras, por exemplo, alternativas ao diesel como matriz energética, tais quais biocombustíveis, a energia elétrica – com ou sem cabo – e o hidrogênio.

O Brasil possui ao redor de 100.000 ônibus urbanos, sendo que pouco mais de 50 são ônibus elétricos a baterias e, não mais do que outras 5 centenas são elétricos alimentados por cabos, os chamados troleibus. Há uma série de obstáculos para a substituição dos ônibus movidos a combustíveis fósseis. A primeira delas, em relação à solução mais empregada, que é o ônibus movido à bateria, o custo de investimento ainda representa uma significativa barreira, apesar da grande redução do custo operacional que este ônibus proporciona. Outro obstáculo relevante é a barreira cultural. Operadores de ônibus têm uma larga experiência e cultura de operação de ônibus à diesel. Há, entre eles, apesar da farta literatura e inúmeros casos de sucesso ao redor do mundo, dúvidas e ceticismo quanto à viabilidade da aplicação de ônibus elétricos movidos à bateria.

Fonte: Sindipeças e Simob/ANTP

 

Fonte: e-Bus Radar

Outro desafio importante, quando falamos de modificar a matriz de transporte, é a adaptação da infraestrutura necessária à operação dos ônibus. No caso dos ônibus elétricos é preciso considerar o sistema de distribuição de energia e a infraestrutura requerida nas garagens e, eventualmente, ao longo das rotas, para o abastecimento das baterias. Também há uma necessidade de adaptação das garagens para a manutenção e treinamento específico dos motoristas para a condução dos ônibus.

A identificação das rotas é uma etapa fundamental para verificação da topografia de cada uma delas e para a análise da verificação da viabilidade da aplicação de ônibus elétricos para aqueles trechos. Outro fator a ser considerado é a distância das rotas, a qual também impacta a operação, considerando a autonomia dos ônibus e exigindo, além da compatibilidade, uma verificação da necessidade, ou não, de cargas de oportunidade a serem efetivadas ao longo da rota e da operação do ônibus.

O primeiro estudo também irá apontar os desafios de financiamento para aquisição de uma frota mais sustentável, e irá descrever casos de sucesso ao redor do mundo, que podem servir de inspiração para a Grande Recife.

A aquisição de ônibus elétrico, decorrente do seu custo de investimento bastante superior aos ônibus a diesel, tem desafiado modelos inovadores e disruptivos para assegurar o acesso aos veículos. Enquanto no diesel, em geral, a aquisição se faz com capital próprio dos operadores ou de financiamento bancário convencional, nos ônibus elétricos há modelos muito mais sofisticados, que exigem a inserção de novos atores que adquirem os ônibus para serem alocados aos operadores. Com isso, há a necessidade do desenvolvimento de modelos de garantia muito mais sofisticados, o que termina por exigir melhor governança na gestão dos sistemas de mobilidade, implicando em forte aprimoramento e melhor regulação dos contratos.

Em contrapartida, a eletrificação da frota pode resultar na substancial redução dos custos de operação e manutenção. Um ônibus a combustão interna pode ter mais de 15.000 componentes, enquanto um ônibus a bateria pode se limitar a 1.000 peças. A manutenção, além de muito mais barata, é consideravelmente mais simples. O custo de energia também é muito favorável. Ou seja, em plena crise de custeio dos sistemas de transporte público, a eletrificação de uma frota pode contribuir para redução significativa dos custos operacionais.

Por isso, a substituição de uma frota com matriz energética baseada no combustível fóssil para ônibus limpos não é simplesmente comprar equipamentos diferentes. Há uma imensa complexidade para superação das barreiras iniciais, para adaptação das infra estruturas, para mudança de uma cultura e adaptação dos aspectos operacionais.

Estudo II: Solução para alta demanda de transporte na cidade de Recife

Já o segundo estudo em elaboração diz respeito a encontrar uma solução de transporte de média/alta capacidade para atender a demanda da região Norte da cidade de Recife (Av. Norte, Av. Rosa e Silva, Av. Rui Barbosa, Av. 17 de Agosto, Estrada do Encanamento e Estrada do Arraial) e das regiões por onde passam as rotas indicadas como II Perimetral – Parte 1, II Perimetral – Parte 2, III Perimetral – Parte 1, e III Perimetral – Parte 2, da Cidade de Recife.

Na primeira etapa do estudo, avalia-se a geração de viagens e medidas das frequências dos deslocamentos realizados. As viagens são representadas como deslocamentos terminais em centroides das zonas de tráfego com distinção para as viagens produzidas e atraídas, conforme a Figura 1.

Para estimação dos volumes de viagens produzidos e atraídos estão sendo aplicados modelos que estimam as quantidades de viagens baseadas em características da população e das zonas, por exemplo, número de empregos, população etc.

Figura 1– Primeiro passo do modelo de quatro etapas – geração das viagens

Na segunda etapa (Figura 2), distribuição de viagens, os deslocamentos produzidos e atraídos nas zonas de tráfego, obtidos na primeira etapa, são distribuídos entre os pares de origem e destino das viagens, através de um modelo matemático de interação.

Figura 2 – Segundo passo do modelo de quatro etapas – distribuição das viagens

Nesta etapa, a aplicação do modelo é uma tentativa de reproduzir o comportamento dos viajantes em relação às suas origens e escolha dos seus destinos. Para cumprir esta finalidade, são adotadas algumas hipóteses sobre o comportamento do usuário em relação à escolha do destino, por exemplo, a escolha do destino é dada em função da distância entre as zonas.

Na terceira etapa (Figura 3), verificamos a escolha modal, as viagens entre cada par de zonas são divididas entre os modos de transporte disponíveis no sistema, a partir de um modelo comportamental sobre como os indivíduos tomam decisões sobre as escolhas dentro do sistema de transportes.

Figura 3 – Terceiro passo do modelo de quatro etapas – divisão modal

Finalmente, na última etapa (Figura 4), alocação das viagens às rotas, os fluxos de viagens entre pares de origem e destino são alocados à rede viária do sistema de transportes. Um novo modelo é aplicado para definir como as porções das viagens serão alocadas nas vias do sistema de transportes.

Figura 4 – Quarto passo do modelo de quatro etapas – alocação modal

Superadas essas etapas, o estudo apresentará o modo de transporte mais indicado para atendimento da demanda verificada através das etapas descritas acima e, considerando também, a tipologia das vias e os custos de investimento e de operação.

Conclusão

Ambos os estudos irão contribuir para que a cidade de Recife avance na implantação daquilo que chamamos a visão do triplo zero na mobilidade: zero emissões, zero fatalidades e zero exclusão. Ou seja, uma mobilidade urbana que não polui, que não mata e nem fere ninguém no trânsito, além de contribuir para ampliar o acesso de todos os cidadãos às oportunidades de renda, trabalho, serviços públicos e lazer.

É com a prioridade para o transporte público limpo e sustentável, acessível e barato que o poder público age para promover a inclusão social e a sustentabilidade. O tema da sustentabilidade diz respeito à saúde local, uma vez que estudos mostram não somente o quanto a contaminação pela queima de combustíveis fósseis contribui para graves doenças respiratórias, mas também à contribuição que absolutamente todos devem dar para fazermos as mudanças climáticas, essencial para a sobrevivência e progresso da espécie humana.

O modelo de frota limpa e de implantação de uma solução de média-alta capacidade, objetos do estudo, poderá inspirar outras cidades a trilhar o mesmo caminho de prioridade ao transporte público limpo e acessível, fazendo Recife ser uma das cidades pioneiras no modelo de mobilidade limpa no Brasil.

*Sergio Avelleda é sócio-fundador da Urucuia: Inteligência em Mobilidade Urbana, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana no Laboratório de Cidades do Insper Arq. Futuro e, atua como parceiro técnico em projetos desenvolvidos pelo Programa Juntos da Comunitas. 

Para saber mais:

Hydrogen Economy Outlook: Key Messages, BloombergNEF, 2020.
Análise Econômica E Ambiental Da Substituição De Ônibus De Combustão Interna Por Elétrico Em Uma Linha De Ônibus Do Transporte Público De Porto Alegre, UFRGS, 2021.
How To Enable Electric Bus Adoption In Cities Worldwide: A Guiding Report For City Transit Agencies And Bus Operating Entities, World Resources Institute, s.d.
Estudo de caso para a introdução de ônibus elétricos no município do Rio de Janeiro, EPE, 2020.
Safer, More Sustainable Transport in a Post-COVID-19 World, World Institute Resources, 2020.
Steering a Green, Healthy, and Inclusive Recovery Through Transport, World Institute Resources, 2021.

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