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Por dentro do dilema “prende e solta”

Publicado em: 07.08.25
Escrito por: Redação Tempo de leitura: 8 min Temas: Segurança Pública
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Conciliar a preservação de direitos fundamentais com a efetividade da resposta penal é um dos principais impasses do sistema de justiça criminal brasileiro. A percepção de impunidade diante de crimes recorrentes, aliada à expectativa por decisões mais rápidas e rigorosas, tem alimentado um debate cada vez mais polarizado sobre a atuação do Judiciário. 

O dilema do “prende e solta” não é apenas jurídico: ele reflete disputas sociais, institucionais e ideológicas sobre o papel do Estado no enfrentamento à criminalidade. Para parte da população, o sistema de Justiça solta rápido demais. Para outra, o problema está nas prisões em massa e nas condições precárias do sistema prisional. 

No meio disso, estão os gestores públicos, pressionados a oferecer soluções que entreguem segurança sem abrir mão da legalidade e dos direitos. É nesse contexto que a Comunitas fomenta debates entre especialistas, gestores públicos e parlamentares, com o objetivo de qualificar discussões e apoiar propostas legislativas que tornem o sistema penal mais justo, eficiente e baseado em evidências.

Quer entender melhor sobre os desafios da segurança pública e o que é o debate prende e solta? Siga a leitura para saber mais!

O que é o “prende e solta”?

O termo “prende e solta” se refere, principalmente, à situação em que pessoas presas em flagrante são liberadas pouco tempo depois, frequentemente por decisão judicial em audiências de custódia. Essa dinâmica causa frustração entre policiais, autoridades e parte da população, que veem nisso um ciclo ineficaz: prende-se hoje, solta-se amanhã, e o crime continua. Mas, para entender de fato essa situação, é preciso olhar para as causas estruturais que o alimentam.

Conforme a Constituição Federal de 1988, a regra é que ninguém deve ser preso antes de uma sentença final – a prisão provisória deve ser exceção. Isso significa que o juiz só pode manter alguém preso antes do julgamento em casos específicos, como risco de fuga, ameaça à ordem pública ou possibilidade de reiteração do crime. O debate surge por conta desses critérios pois, embora estejam previstos em lei, são discricionários e podem ser interpretados de formas diferentes por juízes distintos.

Além disso, há um dado incontornável: o sistema prisional brasileiro está superlotado. Com mais de 900 mil pessoas privadas de liberdade, o país tem a terceira maior população carcerária do mundo. Muitas unidades operam acima de sua capacidade, sem condições mínimas de dignidade ou segurança. 

Sistema Prisional em números
Pessoas Privadas de Liberdade Déficit de Vagas
2023 2024 2023 2024
846.021 909.594 (+6,3%) 214.819 237.694 (+10,6%)

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2025

Esse cenário gera uma pressão permanente sobre o Judiciário, que muitas vezes opta por medidas alternativas à prisão para evitar o agravamento da crise – como liberdade provisória com tornozeleira eletrônica ou comparecimento periódico ao fórum. O problema é que essas medidas, na prática, nem sempre são monitoradas de forma eficaz, o que gera nova sensação de impunidade.

A combinação entre crime recorrente, soltura rápida e pouca fiscalização ajuda a explicar por que o debate sobre o “prende e solta” voltou com tanta força à pauta pública. Um dos principais motores dessa discussão é a criminalidade de rua, especialmente furtos e roubos, muitas vezes cometidos por jovens em situação de vulnerabilidade social. Esses crimes, embora vistos como “menores” do ponto de vista jurídico, têm alto impacto na vida das pessoas e na sensação de insegurança. 

Considerações importantes

Para além da disputa de narrativas, é preciso encarar os gargalos concretos que dificultam uma resposta mais eficaz à questão da privação de liberdade. O primeiro deles é a fragilidade no monitoramento das medidas alternativas à prisão. Em muitos estados, há escassez de tornozeleiras eletrônicas, limitação de cobertura geográfica e baixa integração entre os órgãos responsáveis por acompanhar as pessoas em liberdade provisória. 

Mesmo quando o juiz determina condições como o uso do dispositivo eletrônico, comparecimento periódico ou restrição de horários, a ausência de uma estrutura eficaz de fiscalização esvazia o sentido da medida. Assim, medidas que poderiam representar uma resposta proporcional ao delito e evitar o encarceramento desnecessário acabam vistas como permissivas e ineficientes, gerando descrédito junto à população e às forças de segurança.

Esse problema não se resume à escassez de equipamentos. Falta um modelo institucional mais robusto de gestão das alternativas penais, que envolva desde a articulação entre Poder Judiciário, Ministério Público e Defensorias até a implementação de políticas públicas de saúde mental, assistência social, ressocialização e reinserção de egressos na sociedade. 

Como discutido no Grupo de Trabalho de Segurança Pública da Comunitas, é importante que os estados e municípios invistam em serviços especializados de acompanhamento, com equipes técnicas capazes de atuar de forma multidisciplinar e territorializada para além da lógica punitiva. 

Caminhos para enfrentar o desafio

Diante dos gargalos estruturais que dificultam respostas mais eficazes à segurança pública, é possível identificar caminhos que podem ajudar a reorganizar o debate e impulsionar ações mais consistentes. 

Em vez de reforçar apenas a lógica punitiva, essas trilhas propõem integrar diferentes dimensões da política pública, com foco na prevenção, na qualificação da repressão, na sustentabilidade das alternativas penais e na reconstrução da confiança social nas instituições.

Entre essas trilhas, destacam-se:

  • A integração de políticas públicas exige que a segurança caminhe junto com educação, assistência social e saúde mental, especialmente em territórios marcados pela violência;
  • O fortalecimento de operações assertivas depende do uso de inteligência para desarticular cadeias econômicas do crime, e não apenas realizar prisões em flagrante;
  • Um foco legislativo estratégico passa por priorizar projetos com impacto real e viabilidade política, como o fortalecimento dos que tratam de prisão preventiva, execução penal e investigação;
  • A gestão das alternativas penais precisa incluir mais tornozeleiras, centrais de acompanhamento e programas de qualificação e inserção no mercado de trabalho;
  • A promoção da transparência e da escuta pública envolve divulgar dados sobre reincidência, lotação carcerária e cumprimento de medidas alternativas, ajudando a recuperar a confiança da população nas instituições.

Para que essas estratégias sejam efetivas, antes é preciso reconhecer a necessidade de se ampliar a corresponsabilidade dos entes subnacionais, garantindo que os planos estaduais reflitam as especificidades locais e contribuam para a consolidação de uma política nacional integrada e mais eficaz. Ao mesmo tempo, é necessário que a governança dessas ações esteja bem estruturada, com responsabilidades definidas, metas claras e mecanismos contínuos de monitoramento e avaliação. 

Case de Sucesso: Pacto Pelotas pela Paz

Para enfrentar os desafios de segurança pública no município de Pelotas (RS), a gestão pública lançou um sistema de cooperação entre governo e sociedade civil para promover a segurança e a cultura da paz na cidade. Como centro da estratégia, mobilizou-se ações integradas e setoriais entre as secretarias de Pelotas como forma de combater a criminalidade com base em evidências, monitoramento de indicadores e acompanhamento social. 

Isso passa também pela racionalização dos indicadores utilizados, evitando excessos que dificultem a coleta de dados e priorizando métricas que realmente contribuam para o aprimoramento das políticas. Sendo também assegurada a sustentabilidade das ações para que as fontes orçamentárias sejam compatíveis com a complexidade e a abrangência das propostas.

Para saber mais sobre, acesse o Policy Brief – Pena Justa: Por um Sistema Penal Eficiente, Digno e Constitucional, que é resultado dos encontros de especialistas com lideranças públicas presentes no GT de Segurança Pública da Comunitas. 

A superação dos impasses na área penal passa por reconhecer que a segurança pública não se resolve apenas com mais prisões, nem com decisões judiciais tomadas sob pressão. É preciso construir um caminho baseado em dados, articulação institucional e compromisso com a redução da violência e da reincidência. Para isso, a atuação coordenada entre União, estados e municípios é essencial, assim como a estruturação de mecanismos de financiamento sustentáveis e a definição de metas claras, monitoráveis e adaptadas às realidades locais. 

E você, gestor? Já refletiu sobre como uma abordagem integrada pode transformar a segurança pública no seu território? Para aprofundar o debate sobre segurança pública e construir soluções eficazes, acompanhe as próximas publicações da Rede Juntos!

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