A transformação digital do setor público brasileiro é uma das mais ambiciosas e promissoras reformas em curso. Mas não basta informatizar processos. É necessário redesenhar a lógica de funcionamento do Estado, colocando o cidadão no centro das decisões, promovendo eficiência, transparência e inclusão. O Brasil já avançou muito, mas ainda há um longo caminho a percorrer para consolidar um governo verdadeiramente digital, descentralizado, inteligente e confiável.
Em 2025, mais de 130 milhões de brasileiros utilizaram serviços digitais por meio da plataforma Gov.br, que já reúne mais de 12 mil serviços públicos, sendo 4.600 federais e mais de 8 mil estaduais e municipais. A média mensal de acessos únicos ultrapassa 15 milhões, com 3,5 bilhões de autenticações realizadas no ano. A Assinatura Digital Gov.br, por exemplo, foi utilizada em 140 milhões de documentos, substituindo o papel e otimizando tempo e recursos.
Esses números refletem não apenas a robustez tecnológica da plataforma, mas também uma mudança de comportamento da população, que passou a confiar e utilizar os serviços digitais como parte do cotidiano. O impacto econômico é igualmente expressivo: o compartilhamento de dados por meio do ConectaGov gerou uma economia de R$ 7,5 bilhões entre 2023 e 2025. Além disso, o Brasil foi reconhecido pelo Banco Mundial como o segundo país do mundo com maior maturidade em governo digital, atrás apenas da Coreia do Sul.
A Estratégia Federal de Governo Digital (EFGD) 2024–2027, formalizada pelo Decreto nº 12.198/2024, é um marco nessa jornada. Ela está estruturada em 6 princípios, 16 objetivos estratégicos e 93 iniciativas mensuráveis, com foco em um governo centrado no cidadão, integrado, inteligente, seguro, transparente e sustentável. Essa abordagem orienta ações em todas as esferas da administração pública, promovendo uma cultura de colaboração e inovação.
Apesar dos avanços, os desafios são significativos. Cerca de 72% dos municípios brasileiros ainda não possuem uma estratégia formal de governo digital. Isso significa que a maioria das decisões sobre digitalização são tomadas de forma isolada, sem planejamento de longo prazo, integração entre sistemas ou alinhamento com as reais necessidades da população. A fragmentação federativa é um dos principais obstáculos à interoperabilidade e à padronização dos serviços.
A inclusão digital também permanece como um desafio. Embora 85% dos brasileiros usem a internet diariamente, o acesso ainda é desigual entre faixas etárias, regiões e níveis de escolaridade. O custo de um atendimento presencial é quase dez vezes maior que o digital (R$ 59,74 contra R$ 6,64), mas muitos cidadãos ainda preferem o contato físico por falta de familiaridade com os canais digitais. Usar a infraestrutura pública existente, seja de Estados ou Municípios, e incentivar o atendimento descentralizado é um passo importante.
A consolidação das chamadas Infraestruturas Públicas Digitais (DPIs) — como identidade digital, assinatura eletrônica e sistemas estruturantes de interoperabilidade — é essencial para garantir segurança, confiabilidade e escalabilidade às soluções digitais. A Lei nº 14.129/2021, que institui o Governo Digital no Brasil, estabelece princípios como desburocratização, dados abertos, interoperabilidade e participação social, mas sua implementação ainda é desigual entre os entes federativos.
O governo federal pode investir em grandes plataformas estruturantes que podem servir como infraestrutura digital pública para que Estados, Municípios e a sociedade possam se beneficiar, favorecendo a padronização e a redução dos custos de transação. Mas essa deve ser uma decisão de Estado, que não esteja sujeito às eventuais mudanças de governo.
Felizmente, há exemplos concretos de iniciativas estaduais e municipais que estão fazendo a diferença. O Painel Fiscal do Ceará oferece transparência em tempo real das finanças estaduais. O portal unificado do Rio Grande do Sul integra centenas de serviços estaduais e municipais. A Rede Gov.br já conta com a adesão de 1.908 municípios, representando mais de 34% das cidades brasileiras. Esses casos mostram que é possível combinar inovação tecnológica com impacto social e institucional.
Internacionalmente, países como Estônia, Singapura, Dinamarca, Portugal e Coréia do Sul são referências em governo digital. A Estônia digitalizou 99% dos seus serviços públicos, criou uma residência eletrônica global e utiliza blockchain para proteger dados governamentais. Singapura desenvolveu plataformas como MyInfo e SingPass, que oferecem autenticação única e serviços personalizados. A Dinamarca lidera o ranking da ONU em maturidade digital, com foco em inclusão e governança baseada em dados. Portugal avançou significativamente no ranking da ONU, com foco em serviços locais digitais e integração federativa.
Um dos casos mais inspiradores de transformação digital no setor público vem da Coreia do Sul. Durante a E-Governance Conference 2025, realizada na Estônia, o governo sul-coreano apresentou resultados impressionantes: um aumento de 60% na produtividade do setor público após a implementação de um modelo integrado de digitalização de dados e serviços. Esse salto foi possível graças à interoperabilidade entre sistemas, à automação de processos e ao uso intensivo de inteligência artificial para apoiar decisões administrativas.
Esses modelos têm em comum uma governança forte, visão de longo prazo e foco na experiência do usuário. O Brasil pode — e deve — aprender com essas experiências, adaptando soluções às suas realidades locais e promovendo uma transformação digital federativa, inclusiva e sustentável.
O futuro do governo digital depende da capacidade dos gestores públicos de liderar com coragem institucional, visão estratégica e compromisso com o cidadão. A tecnologia é apenas o meio. O fim é um Estado mais eficiente, transparente e próximo das pessoas. A transformação digital não é um projeto de tecnologia da informação — é uma mudança profunda na forma como o Estado se relaciona com a sociedade. E essa mudança começa com líderes públicos que enxergam além das limitações do presente e constroem pontes para o futuro. Todos nós precisamos ser parte dessa transformação!
*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.
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Somos servidores, prefeitos, especialistas, acadêmicos. Somos pessoas comprometidas com o desenvolvimento dos governos brasileiros, dispostas a compartilhar conhecimento com alto potencial de transformação.
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