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As políticas públicas tornaram-se, paulatinamente, um campo de estudo bastante rico dentro das ciências sociais e humanas, nas décadas passadas o foco se deu principalmente nas fases de formulação e avaliação destas, hoje se percebe uma atenção especial ao imbricado processo de implementação, o qual envolve entender o funcionamento da arena, que vai bastante além da análise dos atores e chega na compreensão do histórico das políticas públicas existentes e relacionadas, nas redes que estão por trás das aparências dos fóruns de discussão e na busca de modelos de transparência pública que atendam, de fato, o desejado pelo cidadão.
A concepção clássica do Estado moderno foi definida por diversos autores das ciências sociais. Este esforço intelectual tenta se aproximar, em termos de linguagem, do melhor entendimento do que seria o Estado para, assim, compreendê-lo e em seguida operá-lo. Destaca-se aqui a definição de Norberto Bobbio, à luz de Max Weber, o qual conceitualiza o Estado moderno mediante dois principais elementos constitutivos: a instituição de um aparato burocrático e administrativo cuja função é prover os serviços públicos à sociedade e o monopólio legítimo da força (BOBBIO, 2011, p. 69).
Discurso da legalidade
Como primeiro ponto desta breve análise, trazemos à baila o sociólogo e jurista Gunther Teubner, o qual esclarece, com olhar de lupa, como o extenso aparato jurídico socialmente construído fez com que o discurso da legalidade inventasse e lidasse com uma espécie de hiper-realidade que perdeu contato com a realidade do cotidiano e, concomitantemente, impôs novas realidades para este mesmo cotidiano (TEUBNER, 1989). Ao trazer à baila Bourdieu, Teubner mostra que esta concepção cobriu o direito de uma eficiência quase mágica em que a lei possui uma prática de construção do mundo (1986, apud TEUBNER, 1989).
A ciência jurídica coloca-se como um discurso que essencialmente se autovalida, com a pretensão de que outro campo não poderia ser seriamente penetrável na compreensão da realidade do mundo (COTTERELL, 1986:15, apud TEUBNER, 1989). Como apontado por Teubner (1989), não há acesso cognitivo direto à realidade, mas sim discursos e narrativas competitivas com diferentes construções sobre o que ela é.
Ataque aos pressupostos democráticos
Este cenário, imerso na dificuldade de um olhar interdisciplinar da realidade, leva-nos ao segundo ponto, o ataque aos pressupostos democráticos. Estes feitos tanto por políticos, quanto pelos cidadãos, e o contínuo e sistemático enfraquecimento do bem-estar social, tanto pela ideia, quanto pela prática.
O fenômeno tem sido analisado com robustez pela ciência política e destaca-se aqui o conceito construído pela cientista social americana Wendy Brown acerca do desmantelamento do neoliberalismo e o levante das políticas antidemocráticas no Ocidente. Há uma demonização do estado de bem-estar social no atual período pós-neoliberal, nota-se uma desintegração do conceito de sociedade que até então era prevalente, um descrédito sobre os valores e os bens públicos, o que tem lavrado o terreno para que atitudes tribais emerjam e criem identidades e forças políticas na direção de um niilismo de um passado harmônico, o qual, na verdade, nunca existiu (BROWN, 2019, p.7).
Obviamente há uma lógica nesta construção de narrativa muito bem orquestrada e fundamentada e a despeito da valorização do certo e do errado, do bom e do ruim, notar-se-ão quais serão os resultados práticos da adoção deste caminho, conforme o decorrer da História do mundo ocidental.
Mas, para esta análise, vale ressaltar o apontamento esclarecido por Brown (2019, p. 15) onde nota-se que o homem branco médio nos Estados Unidos da América percebe-se desprivilegiado das políticas públicas que antes o colocavam no cerne da condução econômica do país, o espaço e os direitos conquistados pela população preta, pelos homossexuais e pelos imigrantes foram sistematicamente colocados em uma caixa que não se relaciona e prejudica o amor pelo país, o patriotismo, o cristianismo e os valores americanos. Não por acaso o slogan da campanha presidencial de Donald Trump em 2016, “Make America Great Again”.
Descentralização Político-Administrativa
Por fim, o terceiro ponto trata da descentralização político-administrativa na tomada de decisão das autoridades políticas e dos gestores públicos, este fenômeno tem marco nacional com as políticas públicas da década de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que, pela Reforma Administrativa, conduzida pelo então ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, resultou na construção de parcerias público-privadas sem fins lucrativos na execução de políticas.
Após anos desta construção, hoje os estudos sociais que olham para a administração pública e para a relação do Estado com a sociedade, tem utilizado o termo anglicano franchise para entender, entre outros assuntos, a extensão da autenticidade democrática em políticas de descentralização conduzidas pelo Estado. Em tais políticas a terceirização de serviços públicos leva à entrega dos resultados por estes atores do terceiro setor, os quais são monitorados, acompanhados e fiscalizados pelo Estado. A dinâmica desta realidade varia de contexto para contexto de acordo com o local, o conteúdo e a experiência. Há exemplos bem-sucedidos e outros pessimamente conduzidos, inclusive com problemas relacionados à corrupção e à conduta imoral.
Este modelo, de maneira paulatina, tem alterado significativamente a estrutura dos governos. A descentralização e as parcerias público-privadas têm levado as organizações não-governamentais e privadas a desempenhar um papel central na execução das políticas públicas, com destaque no Brasil para as áreas da saúde, assistência social, educação e, mais recentemente, infraestrutura.
O mesmo ocorre nos Estados Unidos da América frente às escolas comunitárias, prisões administradas pelo setor privado, polícia, bombeiros e centros de tratamento de adictos, há dificuldade crescente em medir os resultados de eficiência, eficácia e efetividade deste franchising das ações estatais, e ainda mais difícil é medir os valores democráticos e o controle sobre a democracia com este tipo de ferramenta crescentemente exercida pelo Estado, especialmente nas áreas sociais (INGRAM & SCHNEIDER, 2008, p. 182).
A liberação de tensão entre o formulador da política pública, o executor do alto escalão, o servidor público ou terceirizado implementador na ponta e o cidadão que recebe o serviço encontra-se em um nível alto e a análise deve ser inteligente o suficiente para compreender que as métricas de eficiência e efetividade são indispensáveis, mas por si sós não atendem aos pressupostos democráticos.
Para além do esforço contemporâneo de compreensão da construção normativa das políticas públicas e de como se dão as discussões em fóruns, encontra-se a capacidade do analista de políticas públicas em compreender, estudar e incentivar a melhoria da ação governamental, priorizando a atenção sobre como os atores se comportam na arena, suas interações em rede e como os melhores resultados das políticas conviverão com a entrega de métricas definidas e a política democrática, honesta e saudável para todos os envolvidos.
BOBBIO, Norberto. Estado Governo Sociedade: Para uma Teoria Geral da Política. São Paulo: Paz e Terra, 2011. BROWN, W. In the Ruins of Neoliberalism: The Rise of Antidemocratic Politics in the West. New York: Columbia University Press, 2019. INGRAM, H.; SCHNEIDER, A.L. Policy Analysis for Democracy. In: MORAN, M.; REIN, M.; GOODIN, R. E. (Eds). The Oxford Handbook of Public Policy. New York: Oxford University Press, 2008.
*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.
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Somos servidores, prefeitos, especialistas, acadêmicos. Somos pessoas comprometidas com o desenvolvimento dos governos brasileiros, dispostas a compartilhar conhecimento com alto potencial de transformação.
Muito obrigado pela publicação! Dá gosto de ler um texto tão bem escrito assim! Parabéns, Igor!