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Mudanças no Mapa do Turismo Brasileiro e o planejamento das Regiões Turísticas

Publicado em: 12.05.25
Escrito por: Marcos Antonio Rehder Batista Tempo de leitura: 12 min Temas: Desenvolvimento Verde, Meio ambiente e Sustentabilidade, Turismo
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Panorama Geral

Em março o Ministério do Turismo – MTur apresentou a reformulação do Mapa do Turismo Brasileiro planejada ano passado, com alteração na forma de classificação de cada município nas chamadas Regiões Turísticas. Estas mudanças estavam previstas no Plano Nacional de Turismo – PNT 2024-2027, elaborado pelo Conselho Nacional de Turismo e aprovado pelo ministro e presidente da república em agosto do ano passado.

Mês passado apenas noticiei tais mudanças, e agora trarei maiores detalhes a respeito. Antes os municípios eram classificados de “A” a “E” conforme atratividade e dados socioeconômicos, como estrutura hoteleira e atratividade. Agora serão divididos em 3 funções que podem cumprir dentro de sistemas intermunicipais, dados fundamentais para o planejamento regional do desenvolvimento: i. municípios turísticos, para os já estabelecidos em termos de atrações e infraestrutura; ii. municípios com oferta turística complementar, para os que possuem locais e serviços complementares aos anteriores e; iii. municípios de apoio ao turismo, os com baixa variedade de atrações mas potencial de fornecimento de mão de obra, serviços públicos e produtos comercializáveis.

Estas mudanças aprimoram a capacidade de pensar a dinâmica deste setor dentro de princípios ESG (Environment, Social and Governance), pois também ajudam a pensar a mitigação dos impactos ambientais: por exemplo, geralmente o conjunto de municípios integrantes de uma Região Turística compartilham algum recurso natural, como florestas e bacias hidrográficas, e a degradação em um acarreta externalidades negativas em outro. A preocupação sobre as dinâmicas econômica, social e ambiental está de acordo com o Plano Setorial de Adaptação do Turismo elaborado pelo MTur para o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, que coordena os compromissos das mais diversas pastas do Governo Federal com o Plano Clima.

O presente artigo é uma continuidade do publicado em no final de março aqui, na Rede Juntos, quando tratei do caso específico do Circuito das Águas para apontar questões gerais, como introdução à agenda de politica nacional de turismo a ser abordada no restante deste ano. É possível dizer que esta mudança na classificação dos municípios nas Regiões Turísticas está em consonância com a complementaridade nas cadeias de valor, abordagem a partir da oferta, que propus como framework para estudo microeconômico do Turismo.

Contextualizado o assunto a ser tratado, trago uma introdução ao processo de elaboração das mudanças feitas no “Mapa” imerso no atual momento da regionalização do turismo, seguida de como elas já estavam previstas no PNT 2024-2027 e como este concebe a regionalização, princípio organizativo destas políticas públicas desde 2008 a aperfeiçoada agora. Por fim, as novidades no setor serão pensadas a partir de frameworks reconhecidos, discussão importante para o amadurecimento da análise.

O novo momento da Regionalização do Turismo

As políticas nacionais para estímulo a articulação intermunicipal da atividade turística, conforme já foi esboçado no já mencionado artigo de março, foi um processo estruturado desde os primeiros anos deste século, sujeito a avanços e descontinuidades. Esta mudança substancial na forma de classificar e estudar cada integrante de uma unidade local foi acompanhada pela criação da Câmara Temática de Regionalização do Turismo dentro do respectivo “Conselho Nacional”, instituída alguns dias antes de tornarem pública as mudanças no “Mapa”, no final de fevereiro. Isto significa que esta temática agora possui um fórum específico para ser debatida, amadurecida e aperfeiçoada, e cujas atividades merecem ser acompanhadas pelos responsáveis locais por elaborar planejamento nos municípios.

Já em 2023 foram apresentadas atualizações no Sistema de Informações do Mapa do Turismo Brasileiro – SISMapa, sua Versão 2.0. Passou a disponibilizar o “acompanhamento de todo o fluxo de análise técnica, procedida desde o cadastro e suas respectivas renovações, realizados em âmbito Municipal, Regional, Estadual e Federal com a revisão e aprovação do Ministério do Turismo”, como pode ser conferido no manual de “Perguntas e respostas” para aquele ano, disponível na área sobre “Atualização do Mapa” no Ministério. Ano passado foram lançadas na mesma “área” do site as “Orientações para atualização do Mapa do Turismo Brasileiro 2024”, documento mais detalhado que o anterior onde, apesar de ainda  tratar da classificação de “A” a “E”, já aponta para o aprimoramento da concepção de complementaridade entre as cidades agora em vigor.

Ambos ainda usam como referência a Portaria Ministerial nº. 41 de 24 de novembro de 2021, que a partir de 2022 o “Mapa” deixou de ter atualização apenas de 2 em 2 anos e passou a ter caráter contínuo, tal que as prefeituras passaram a poder se cadastrar em qualquer momento, tendo o registro válido por 1 ano. Também passou a contar no formulário uma descrição pormenorizada das atividades turísticas (ou, relacionadas ao turismo), o que permite ao “Ministério conhecer um pouco mais sobre o cenário de sua atividade turística local”. Importante também considerar que as propostas de adesão são avaliadas em nível estadual, envolvendo em todo o trâmite a estrutura policêntrica das Unidades Federativas (municípios, Distrito Federal, estados e União).

Pode-se dizer que ao exigir renovação anual induz à articulação constante com os municípios vizinhos, posto que para estar no “Mapa” é necessário fazer parte de uma “Região”, operar junto à outras unidades. Neste sentido, pode-se dizer que a atual reformulação da classificação concretiza um processo de amadurecimento cumulativo, da mesma forma que a criação de uma “Câmara Temática” exclusiva para a regionalização proporciona um processo de governança para tal estímulo ainda carente de articulação política em nível federal. Esta coordenação em nível nacional permite não apenas a indução do desenvolvimento local como também uma coordenação geral capaz de monitorar a mitigação das desigualdades em todo o território.

Na Política Nacional do Turismo

O PNT 2024-2027 se propõe à uma renovação da forma de se projetar o turismo, muito arraigada na experiência traumática da Covid 19 e da recuperação setorial vista a partir de 2023. Já previa tanto a reformulação do Conselho Nacional de Turismo quanto a nova categorização dos municípios, além de alinhavar vários dos elementos trazidos aqui. Também fortalece o compromisso ESG desta política nacional, com várias passagens trazendo detalhes sobre sua confluência com a Agenda 2030, algo crucial, dado que boa parte da atividade se constitui em torno da riqueza de recursos naturais (e a consequente mitigação de suas condições de escassez).

Como tratarei em breve sobre o novo PNT como um todo, concentrando as atenções aqui no que diz sobre a regionalização e nova classificação, apenas serão introduzidos os princípios norteadores desta política em forma de tópicos. Importante destacar que desde o texto introdutório do ministro Celso Sabino e “Apresentação” já se fala do quanto o engajamento com a síntese entre desenvolvimento e agenda climática melhorou a imagem do país internacionalmente, resultando em um aumento recorde do fluxo de visitantes de outros países. São 5 os norteadores do PNT 2024-2027:

  1. Cooperação e Regionalização: reforça o princípio de descentralização, baseado no aprimoramento da governança descentralizada, promovida pelas Regiões Turísticas estabelecidas entre os municípios (e formalizada por eles) junto aos governos estaduais e confirmada por eles no Sistema Nacional de Turismo, conforme já estava previsto em sua criação, em 2008;
  2. Desenvolvimento e inserção produtiva de pessoas: uma preocupação especial na formação profissional e qualificação dos serviços, registrados dentro do “Sistemas”, e pré-requisito para a formação das Regiões Turísticas;
  3. Sustentabilidade: ao mesmo tempo que a previsão de atingirmos 8,5 bilhões de habitantes na Terra até 2030 acompanhada do ganho de poder aquisitivo em vários países em desenvolvimento indica o incremento do volume de visitantes, esta tendência preocupa sobre as pressões ambientais, sociais e governativas (ESG) consequentes deste aumento de demanda, o que exige um planejamento capaz de dar conta dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS;
  4. Inovação e transformação digital: as mudanças de comportamento dos visitantes diante da massificação dos smartphones conduz à necessidade de adequar a experiência turística às novas tecnologias de informação e comunicação, principalmente em relação à conectividade e meios digitais atrativos para a organização dos roteiros;
  5. Democratização do acesso ao turismo: da mesma forma que há forte priorização da qualificação profissional, e consequentes aumento da produtividade do trabalho e aumento da renda, este último orientador está focado na inclusão social, mas em dar acesso aos serviços turísticos.

A nova categorização dos municípios, detalhada já no PNT recente ano passado, é apresentada na última parte do documento, sobre “Descentralização”, onde reforça a estrutura de governança da política nacional, começando pela esfera nacional, seguida de estados, Regiões Turísticas e municípios, em seus respectivos conselhos. Quanto à descrição da nova classificação, segue o quadro abaixo, que está na p. 70:

Como já havia adiantado, aprimorou-se a noção de complementaridade na cadeia e da avaliação econômica do ponto de vista da oferta. Mais que isso, ofereceu-se um paralelo com a anterior, sendo que em primeiro vem os que eram inclusos nas categorias “A” e “B, segundo os que constavam nas “C” e “D” e, por fim, as classificadas na “E”. Esta alteração, principalmente semântica, direciona tanto para a interdependência quanto para potencialidades, pois incentiva as localidades que possuem atrativos mas não tem total organização  a incluírem suas possibilidades a partir de municípios já estabelecidos, o mesmo se estende para os  que não possuem forte leque de opções turísticas mas podem fornecer mão de obra e mesmo bens de consumo para os complexos de maior atratividades, como alimentos (até iguarias, como vinhos e queijos) e artesanato. Sendo assim, pode melhorar ainda mais a capacidade de abordagens econômicas e gestão territorial em geral para prospectar um planejamento adequado visando o desenvolvimento regional.

Alternativas de abordagem para pensar tudo isso

Otimizar o potencial de sucesso no planejamento do turismo regional a partir da fonte de informações intermunicipais requer a escolha de abordagens cientificamente consistentes e reconhecidas em espaços acadêmicos de prestígio, não somente porque funcionam como um “selo” de qualidade como também por terem alta visibilidade, e com isso, estarem fortemente sujeitas a crítica e aperfeiçoamentos. Mesmo reconhecendo que uma descrição pormenorizada fugiria ao escopo deste artigo, vale mencionar duas desenvolvidas recentemente: uma sobre como a governança local de municípios associados livremente e conectados às dimensões estadual e nacional, em estrutura policêntrica; e outra, já trabalhada no artigo de março sobre o Circuito das Águas, que trate precisamente da governança econômica.

Em artigo no volume Governança Multinível e desenvolvimento regional sustentável (2018), publicado pela Oficina Municipal, Fernando Abrucio e Cristina Sydow aprofundam um framework alternativo à tradicional divisão intermunicipal que divide um estado mais ou menos conforme as microrregiões(Tipo I), sugerindo uma maior efetividade das associações livres entre municípios conforme problemas a serem resolvidos como, por exemplo, os consórcios entre prefeituras (Tipo II). Enquanto a regionalização tradicional se esforça por integrar municípios através de uma subdivisão “top down”, esta proposta pensa a coordenação sob acordos locais, capaz de atrair os vizinhos por adesão. É o que chamam de governança horizontal, baseada no associativismo territorial, que muitas vezes pode trazer maiores resultados devido à marcante municipalização estimulada pela Constituição de 1988. Pode-se dizer que esta segunda forma de articulação local é o caso das Regiões Turísticas propostas no Mapa do Turismo Brasileiro, sendo o trabalho destes autores bastante rico para pensar nossas Regiões Turísticas.

Tal proposta, ancorada em paradigmas desenvolvidos pela OCDE, pode aprimorar ainda mais 2 aspectos da análise econômica da governança das Regiões Turísticas do PNT apresentada por Souza e Serra ano passado e utilizada em meu último artigo para a Rede Juntos: sua abordagem sobre governança territorial e como olhar a nova categorização dos municípios, dado que esta pesquisa desenvolvida no Instituto de Economia da Unicamp tratou da classificação anterior. Em relação à governança territorial das redes intermunicipais, a tese de Souza (que deu origem ao estudo) recorre à Nova Geografia Econômica, e estabelecer pontos de diálogo entre esta e uma metodologia da OCDE torna os estudos mais abrangentes. Este aprofundamento ajudaria a repensar o trabalho de 2024 já com a nova classificação, posto que até por uma questão de data continua com a anterior, além de apontar para também pensar o paradigma de Abrucio e Sydow, que não menciona o Plano Nacional de Turismo, apesar de proporcionar uma visão capaz de refletir sobre ela.

Se neste artigo tratou-se especificamente da regionalização, no próximo o PNT 2024-2027 será o único assunto, abordado em sua totalidade. Os 5 orientadores mencionados na seção anterior (regionalização, inserção produtiva, sustentabilidade, transformação digital e democratização do acesso) serão expostos em conjunto, e conforme contextualizados no documento norteador da estratégia nacional para o turismo; apenas mais adiante será desenvolvido o aprofundamento e aproximação dos dois frameworks citados nestas considerações finais.

Até o próximo!



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Marcos Antonio Rehder Batista
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