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Estratégia para o Desenvolvimento Social e Econômico Sustentável de Longo Prazo: Transição de uma abordagem de Planejamento e Controle para a Adaptação Iterativa Orientada por Problemas (PDIA)

Publicado em: 17.12.24
Escrito por: Ellen Bonadio Benedetti Tempo de leitura: 12 min Temas: Planejamento Estratégico
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Planejamento e Desenvolvimento

Todos que trabalhamos com a implementação de políticas públicas reconhecemos a importância em usar a abordagem de planejamento e controle para organizar ações, mapear atores, definir prazos e encadeamento de atividades para alcance de um objetivo. Além disso, essa abordagem permite a antecipação de riscos e nos auxilia a definir planos de mitigação de riscos, bem como possibilita o acompanhamento e controle das ações. 

No entanto, para ser efetiva, essa abordagem requer informações prévias e conhecimento do problema para que seja possível realizar um bom planejamento e, a partir desse instrumento, controlar e medir as ações. Já os problemas públicos são frequentemente marcados por incertezas e informações limitadas que podem comprometer a eficácia do processo de planejamento. Esses tipos de problema público são permeados por uma ampla gama de interações em diferentes áreas, incertezas quanto aos resultados possíveis para cada ação tomada e envolto em informações imprecisas ou ausência de informações. São por isso, tidos como problemas complexos, cujo enfrentamento se torna mais difícil para a abordagem de planejamento e controle.

Para responder a esse desafio,  a abordagem denominada Adaptação Iterativa Orientada por Problemas (PDIA),  desenvolvida pelo professor Matt Andrews da Universidade de Harvard, apresenta uma perspectiva completamente nova sobre como enfrentar desafios complexos em políticas públicas.

Durante sete meses, estive imersa no estudo dessa nova abordagem por meio do curso executivo oferecido pela Harvard Kennedy School Implementing Public Policy” e espero neste espaço compartilhar um pouco sobre o que aprendi e como mudei minhas perspectivas acerca das formas existentes para lidar com problemas públicos.

Contexto da Abordagem Planejamento e Controle

Como servidora pública federal, atuo há 18 anos em áreas relacionadas à gestão de projetos, planejamento e controle, e avaliação de Políticas Públicas. Minha atuação que iniciou-se no Governo Federal em 2006 com gestão de projetos de cooperação internacional, foi ampliada para a gestão de projetos em territórios, a partir da experiência na Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Governo do Estado do Rio de Janeiro entre 2012 e 2015. 

No âmbito municipal, nos últimos oito anos atuei na prefeitura de Niterói em funções relacionadas a gerenciamento e aceleração de projetos, e mais recentemente, entre os anos de 2020 e 2023 como Secretária Municipal de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão (SEPLAG). A cidade é reconhecida pela forte cultura de planejamento e controle que lhe rendeu grandes avanços, como melhoria da gestão fiscal considerada a melhor do estado do Rio de Janeiro pela FIRJAN , entrega de grandes obras e qualificação de sua gestão, onde alcançou o topo dos rankings de transparência medidos pela Controladoria Geral da União e Ministério Público Federal, e obteve o reconhecimento no primeiro lugar do país em governança pelo ranking Connected Smart Cities

Foi nessa última experiência que pude aprofundar efetivamente a aplicação das diferentes metodologias associadas ao planejamento e controle e que possuem uma valiosa contribuição para a gestão cotidiana das políticas públicas. 

Na prefeitura de Niterói, e especialmente sob a coordenação da SEPLAG, há uma cultura de planejamento e gestão já bem estabelecida que conta não apenas com instrumentos de planejamento definidos pela legislação brasileira, abrangendo períodos de um a quatro anos, como também com a elaboração de um plano anual de metas para monitorar o desempenho de diversos departamentos municipais. Este método assegura o alinhamento entre os instrumentos de planejamento e o controle dos resultados. Em 2013, a prefeitura, em parceria com a sociedade civil e o setor privado, assumiu o compromisso de elaborar um plano estratégico de longo prazo (2013-2033) que definiu objetivos e metas para as diversas áreas de interesse públicos saúde, educação, mobilidade urbana, desenvolvimento, cultura, esporte, lazer, meio ambiente, assistência social. O Plano “Niterói que Queremos” (NQQ) foi um dos primeiros instrumentos de planejamento de longo prazo de uma cidade brasileira e, ainda hoje, orienta as ações da prefeitura e suas grandes realizações.

A prefeitura instituiu em 2014 uma unidade de aceleração de projetos, o Núcleo de Gestão Estratégica (NGE), diretamente vinculada ao gabinete do prefeito, dedicada a monitorar e acelerar projetos, mobilizando recursos e pessoal para alcançar os objetivos definidos pelo Plano NQQ. Foi nesse núcleo meu primeiro campo de atuação na gestão municipal e, efetivamente, posso afirmar a importância de se estruturar equipes e times para gerir projetos, trabalhar com metas e realizar acompanhamento de atividades essenciais para alcançar os objetivos definidos. O envolvimento do prefeito no planejamento e a supervisão direta da alta gestão fornecem a autoridade necessária para implementar políticas públicas baseadas em dados. Além disso, em 2021 implementamos um sistema municipal de gestão de dados que agrega informações sobre serviços e usuários cadastrados, junto a uma rede que conecta diversos departamentos da administração pública.

O envolvimento do prefeito no planejamento e a supervisão direta da alta gestão fornecem a autoridade necessária para implementar políticas públicas baseadas em dados.

Embora o plano estratégico forneça uma orientação valiosa para a gestão de Niterói, no contexto pós-pandemia não apenas uma atualização do instrumento foi requerida, mas também ampliou-se a demanda por uma estratégia de desenvolvimento econômico sustentável que tivesse como foco orientar a atuação da Administração Pública para a identificação e potencialização de oportunidades de crescimento, atração de negócios, fomento a parcerias público-privadas e garantia sustentável de recursos para os serviços públicos. Além disso, os desafios impostos pela demanda crescente pela utilização de tecnologia da informação, transformação digital e oferta de serviços de forma eletrônica demandaram uma visão mais abrangente sobre a complexidade dos problemas públicos.

Diante desses novos desafios e da necessária atualização que precisamos, como gestores públicos, buscar, resolvi abrir meu escopo de atuação e aprender sobre uma nova abordagem para problemas públicos que pudesse suprir as lacunas e dificuldades que encontramos nas metodologias mais praticadas nesse campo de atuação. Por esse motivo, busquei a especialização de Harvard em PDIA por meio do curso executivo de Implementação de Políticas Públicas (IPP), cujas lições gostaria de compartilhar aqui, já que superaram minhas melhores expectativas.

Lições da Jornada PDIA

  • Questões complexas envolvem inerentemente incertezas, o que torna a abordagem “planejamento e controle” desafiadora. Sem conhecimento suficiente sobre o problema, os recursos necessários ou o contexto em que uma política será implementada, o planejamento eficaz se torna difícil, o que pode comprometer os resultados pretendidos. Incertezas sobre o problema, os métodos de resolução e os recursos necessários dificultam o planejamento tradicional. A falta de entendimento sobre o contexto e o ambiente em que uma política pública será aplicada complica ainda mais o planejamento, aumentando a probabilidade de que as ações não alcancem os objetivos.
  • O PDIA fornece uma estratégia para “tentar, aprender, iterar e adaptar”, permitindo-nos gerenciar a incerteza inerente aos problemas complexos. O cerne do PDIA está em seu ciclo de agir, aprender e adaptar, o que nos permite enfrentar questões complexas enquanto fazemos os ajustes necessários à medida que novos insights surgem. Ao dividir desafios em partes menores e gerenciáveis, o PDIA nos permite abordar soluções de forma incremental. Para os desafios de Niterói, essa abordagem foi inestimável, ajudando os atores envolvidos na discussão do problema e identificar o quadro geral, refinar a definição do problema e identificar quais estratégias poderiam ser adotadas imediatamente e quais exigiram mais tempo. Esse processo aprofundou significativamente a compreensão sobre o problema e levou a uma revisão da estratégia inicial.
  • Pequenas vitórias importam e devem ser celebradas: devo admitir que celebrar pequenas vitórias era algo difícil para mim, pois costumava focar mais no resultado final do que nas etapas ao longo do caminho. No entanto, o PDIA me ensinou o valor de reconhecer pequenas vitórias durante o processo. Ao dividir grandes problemas em partes gerenciáveis, podemos reconhecer o progresso por meio de aprendizados e encaminhamentos, que servem como indicadores significativos de avanço e ajudam a sustentar a motivação. Agora, aprecio como esses aprendizados e encaminhamentos atuam como marcos importantes do progresso, orientando-nos em cada desafio passo a passo.
  • Comunicar aprendizados é fundamental para construir autoridade e reforçar o engajamento da equipe: o progresso incremental e o compartilhamento de percepções em cada etapa fortalecem nossa credibilidade e autoridade perante aqueles que nos delegam a missão e os que precisam estar engajados para ajudar a cumpri-la. Em resolução de problemas complexos, essas pequenas vitórias são cruciais para construir confiança e manter o engajamento da equipe. Isso é essencial para melhorar a coesão da equipe e o alinhamento em torno do problema e das etapas que precisamos seguir para resolvê-lo. O kit de ferramentas do PDIA criado por Harvard, ajuda a manter o movimento, mesmo quando enfrentamos desafios que parecem intransponíveis. Ao identificar pequenos passos que podem ser adotados em contextos de dificuldade é possível sustentar o impulso e continuar avançando a aprendendo a partir de cada tentativa. 
  • Perspectivas diversas melhoram a resolução de problemas: o PDIA mostrou a importância de abraçar diferentes pontos de vista. Nesse sentido, é igualmente importante lançar mão de mecanismos que permitam ajustes em seu plano à medida que ele se desenvolve, pois os resultados e aprendizados com cada etapa podem revelar novas necessidades que não podemos antecipar no início do processo, justamente por estarmos lidando com problemas complexos. Nesse sentido, a valorização de uma equipe diversa e com diferentes habilidades se torna fundamental para uma abordagem mais ampla e adaptável a diferentes contextos. 
  • Delegar é uma estratégia essencial para desenvolver capacidades: passei a entender um aspecto intrigante da delegação que antes não considerava, nossa relutância em delegar. Não delegar, muitas vezes, surge não só do medo de que as tarefas não sejam concluídas como gostaríamos, mas também da dificuldade em “deixar ir”, abrir mão do controle sobre aquela tarefa. Nesse aspecto, o professor Andrews traz a sabedoria de se “devolver o trabalho” às pessoas adequadas — uma abordagem mais sustentável que constrói capacidades de equipe a longo prazo. Scott Stein traz uma abordagem fundamental para dar passos em direção a construção de confiança que permita uma delegação mais eficaz. Ou seja, não é recomendável saltar de um estágio em que há controle excessivo e pouca delegação para um estágio de delegação total, pois isso além de dificultar a delegação real de tarefas pode levar a frustrações com o resultado que prejudicam o processo e tornam o controle necessário novamente. A abordagem de quatro etapas para construção de confiança e prática de delegação me ajudou a reconhecer a importância de guiar nossas equipes em cada etapa, demonstrar como as tarefas devem ser feitas e acompanhar consistentemente seu desenvolvimento para construir suas habilidades e estabelecer confiança genuína antes de conceder total autonomia.
    • A liderança é uma atividade envolvendo riscos além da autoridade formal: liderança não é apenas uma posição, mas um processo ativo que exige assumir riscos calculados, especialmente ao abordar problemas complexos que exigem soluções inovadoras. Também envolve navegar por situações desafiadoras que não são confortáveis de serem enfrentadas, além de requerer, muitas vezes, abordar questões difíceis de uma forma que as pessoas possam absorver e responder de maneira construtiva. Praticar a liderança no contexto do PDIA me ensinou formas de se fazer perguntas desafiadoras sem perder o engajamento da equipe — uma habilidade valiosa que implica na compreensão mais abrangente dos problemas enfrentados e formas de agir. Essa experiência impactou profundamente minha abordagem, moldando a forma como liderarei daqui para frente.

Reflexões adicionais

Finalmente, não posso concluir sem reconhecer o impacto profundo que o grupo de pessoas formado durante o curso IPP teve na minha jornada. Como a professora Salimah costuma dizer em nossas interações, as pessoas que formam o curso IPP são um presente à parte. As discussões, os insights e as experiências compartilhadas entre pessoas de diversas partes do mundo, que estão interessadas e engajadas em buscar novas formas de lidar com a complexidade dos problemas públicos efetivamente, possibilitam ganhos imensuráveis de aprendizagem.

Essa experiência me ensinou muito mais do que apenas a metodologia PDIA. Ela abriu minha mente para novas ideias e me mostrou o valor de aprender com as experiências dos outros, com suas percepções e paixões únicas. Acima de tudo, aprendi a importância do autocuidado, especialmente em papéis de liderança — um tema que foi surpreendentemente incluído em nosso curso de Harvard e se revelou tanto inspirador quanto impactante.

O cuidado com que cada etapa de aprendizagem possibilitada pela abordagem PDIA foi pensada e se reflete em crescimento é algo inspirador para manter a motivação e atuação em contexto de grande complexidade e dificuldade. Em especial, em contexto diversos e desafiadores como os enfrentados por países em desenvolvimento, contextos de pouca disponibilidade de dados ou baixa qualificação profissional, a abordagem iterativa e adaptativa proposta por essa metodologia sinaliza para um caminho de crescimento e fortalecimento de capacidades.

 

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*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Ellen Bonadio Benedetti
Secretária Municipal de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão de Niterói
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