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Democracia e Governabilidade: Uma Ótica Presidencial

Publicado em: 22.01.22 Escrito por: Redação Tempo de leitura: 11 min Temas: Modernização da Administração
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Democracia e governabilidade: Uma ótica presidencial

 

Foto: Rodrigo Meneghello 


Uma perspectiva portuguesa sobre sistemas políticos

Para trazer um pouco a visão de um país que adota o semipresidencialismo, o ex-ministro português Miguel Relvas foi um dos convidados a participar da discussão sobre o tema na roda com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer.
Para o ex-ministro português Miguel Relvas, Portugal aproveitou-se de uma grande vantagem em sua democracia ao longo dos anos, o sistema partidário. Isto porque, o país goza de partidos políticos bem definidos, sendo um deles com um viés centro-esquerda, o partido socialista, e outro de centro-direita, o social-democrata. Apesar de ambos os partidos alternarem no poder ao longo dos anos, são fortes e sólidos dentro da democracia portuguesa. Em contrapartida, o sistema também enfrenta obstáculos, como por exemplo a adoção da prática de abstenção política na questão do voto. De acordo com Relvas, esse hábito específico constitui uma situação delicada, pois permitiu que uma parte significativa dos eleitores da população portuguesa não exercesse o seu direito de voto, acarretando um aumento na incidência de questionamentos de uma parcela da população, da ausência de representatividade dos partidos políticos no governo devido ao seu caráter tradicional. Além disso, Relvas pontua que apesar de haver o semipresidencialismo, questões como a necessidade de governar com partidos de ideologias opostas ao presidente continuam ocorrendo, vide o cenário português atual, onde o presidente é de centro-direita e precisa articular com uma forte base parlamentar de centro-esquerda. Ou seja, apesar de não haver uma polarização tão grande como houve no passado, é necessário dialogar com opiniões diferentes e encontrar soluções criativas para sanar as demandas existentes. A diferença, no entanto, encontra-se na dificuldade de chegar a interesses comuns mediante a quantidade de partidos existentes em cada país. Enquanto Portugal apresenta dois grandes partidos e a articulação é feita entre eles, o Brasil tem incontáveis partidos para articularem entre si e a favor de todos, o que é claramente um desafio.

A ótica presidencial 

Para o ex-presidente da república Fernando Henrique Cardoso, as principais reformas já foram feitas. Apesar de atualmente a sensação ser de que nada está acontecendo, muitas coisas mudaram no Brasil, e para melhor. Talvez a principal mudança não tenha sido política como se esperava, mas social. Hoje, a grande massa está presente na sociedade brasileira, e a maior prova disso foi quando Getúlio Vargas começou a discursar para a massa da sociedade brasileira. Com essa nova conjuntura, entendeu-se que é preciso mais do que ter ideias, elas precisam ser passíveis de serem realizadas. Para que isso aconteça é necessário conversa, diálogo… fazer o outro entender a sua ideia para que ela possa se materializar. Por isso, é importante ouvir o povo e buscar compreender o que eles estão sentindo, em contrapartida, o mesmo deve ser feito com o político. É primordial que o povo também escute o que o político, representante do povo, tem para falar, de modo que ambos conversem e consigam chegar em um denominador comum. Ou seja, deve-se entender que ninguém é dono do jogo e que cada lado precisa se esforçar para entender o outro, tendo em vista que as dores que um sente, não são as mesmas dores do outro. Ao mesmo tempo, é preciso cuidado com o que se fala, pois a palavra pesa e é por isso que para ser líder não basta apenas ter capacidade pessoal, é preciso ouvir.
É claro que a situação do Congresso não é fácil, pois você precisa ouvir e ser ouvido, e por vezes ouvir a verdade não é agradável. Porém, apesar das constantes críticas e alfinetadas, existe um equilíbrio democrático, onde pode-se até não gostar das regras do jogo, mas elas existem e funcionam. E, ainda que a democracia brasileira seja muito jovem para haver uma cultura democrática, as regras do jogo contêm o poder do presidente quando ele ultrapassa os limites. Fernando Henrique Cardoso ressalta que por mais que haja uma parcela da sociedade que não gosta de quem está no poder, as regras estão sendo cumpridas. Consequentemente, uma boa parte das críticas que estão sendo feitas atualmente no Brasil não são voltadas diretamente para o sistema de governo, mas sim para quem está exercendo a liderança. E, embora o cenário atual seja algo difícil de digerir, ele passa. Passa porque existe uma rotatividade no poder, e ela é importante para a democracia.
O ex-presidente se mostra despreocupado quanto ao futuro pois acredita que apesar de algumas regras indesejadas, a diversidade da população e a alternância de poder limita uma mudança muito grande no regime político. Mas reconhece que apesar de improvável, o Brasil pode sim regredir pois é uma instituição histórica e da mesma forma que ela foi feita, pode ser desfeita. Por este motivo, se a sociedade atual é partidária da atual instituição, você deve buscar mantê-la. Dito isso, FHC relembra a frase de Otávio Mangabeira que diz: “a democracia é uma planta tenra, tem que ser regada todo dia.”, ou seja, é necessário reavivar no sentimento das pessoas que a liberdade não é um estado natural, é algo que foi criado.
Por meio de um tímido contraponto, o ex-presidente Michel Temer afirma que após analisar e reavaliar a atual Constituição Federal, acredita-se que houve um desmembramento dos preceitos da Constituição. Isto porque segundo o ex-presidente, quem detém o poder primário, é o povo, enquanto as autoridades secundárias são constituídas por presidentes, senadores, deputados, governadores… pois quem as colocou no poder, foi o povo. Desse modo, o que deve nortear os governantes é a vontade popular, o qual parece não acontecer, mediante os inúmeros conflitos internos que o Brasil tem vivenciado nos últimos anos. Por conseguinte, a ideia defendida pela Constituição de um ambiente interno pacífico tanto a nível nacional quanto internacional não aparenta estar sendo cumprida, especialmente quando se analisa a harmonia entre três poderes, vide os constantes ataques às instituições brasileiras. Ou seja, para Michel Temer, uma das formas de atingir um ambiente interno pacífico é através do cumprimento rigoroso da Constituição.
Fazendo uma retrospectiva histórica, o ex-presidente desencoraja o sistema presidencialista no Brasil considerando as constantes manobras feitas pelo governo brasileiro ao longo dos anos para manter um equilíbrio democrático. Neste caso, Temer cita as Constituições Federais de 1891 até 1930, o período de 45 até 64 e por fim a crise política vivida nos últimos anos com a Constituição de 1988, ressaltando que em diversos momentos o presidencialismo no país é constantemente contestado através dos diversos pedidos de impeachment. Consequentemente, esta situação gera uma instabilidade política institucional não só internamente como também externamente, deixando a imagem do Brasil na comunidade internacional prejudicada perante os aparatos democráticos. Dentre outros motivos expostos pelo o ex-presidente Michel Temer, se acredita que o semipresidencialismo é uma boa saída para os problemas enfrentados pela jovem democracia brasileira. Isto porque, na opinião do ex-presidente, existem três vantagens que se sobressaem ao presidencialismo. A primeira consiste na permanência do peso do cargo do presidente brasileiro de deter do poder de veto, das forças armadas e da representação em caráter internacional. Entretanto, também existe uma base parlamentar que auxiliará nas tomadas de decisões de modo que o presidente não necessitará fazer concessões e coalizões para aprovação de metas de governo, ou seja, há uma restrição do poder, o que caso o presidente venha a ser destituído não há uma ruptura institucional preocupante. A segunda refere-se a questão da quantidade de partidos presentes no governo, tendo em vista que neste modelo há involuntariamente uma redução do número partidário já que existem apenas dois lados: o da situação e o da oposição. A terceira vantagem é a transferência de poder e para o legislativo, o que na perspectiva do ex-presidente trará uma responsabilização para os cargos legislativos considerando que eles precisarão governar bem para poder ser reeleito, elevando o nível da discussão também na câmara e no senado.
Michel Temer ressalta que a transição para o semipresidencialismo precisa ser feita em partes. Iniciando com uma aprovação parlamentar de projeto de semipresidencialismo, seguido debates através de programas eleitorais para então realizar um referendo popular de modo que o povo saiba exatamente o sistema de governo que será referendado. Por fim, o ex-presidente esclarece que caso o semipresidencialismo seja considerado, ele deve ser visto como um plano para 2026 e não 2024.

A compatibilidade com o cenário político brasileiro

O ex-ministro português Miguel Relvas, reforça alguns pontos apresentados por Michel Temer como virtualidades do sistema semipresidencialista, como por exemplo a continuidade do poder de veto universal na mão do presidente, além do auxílio na estabilidade democrática e institucional visto que um sistema como o semipresidencialismo reduz a desconfiança do parlamento dos governos e inibe a ocorrência de uma situação traumática no governo. Para Relvas, o sistema francês atualmente é o que melhor combina com a realidade brasileira, considerando o formato da eleição do primeiro-ministro feita pelo voto direto. Além disso, pontua que é indispensável que ao fazer uma reforma política deste tamanho seja preciso olhar para eleições posteriores e não para a seguinte, pois não se pode mudar as regras do jogo de forma rápida. As reformas precisam ser feitas ao longo do tempo para que possa garantir eficácia e governabilidade entre os três poderes.
De acordo com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o sistema semipresidencialista perdeu forças no Brasil devido a sua funcionalidade no atual cenário político brasileiro. Assume que foi um grande defensor no passado, porém atualmente, a realidade é outra. Reforça que o impeachment talvez não seja bom para a estabilidade da democracia, porém às vezes é necessário pois ele é o mecanismo que o sistema presidencialista tem para se desfazer de presidentes que se mostram incapazes de governar o país. FHC confessa que não sabe se algum dia voltará a apoiar o semipresidencialismo pois na prática brasileira não existem partidos políticos, e sim líderes políticos.
Já para Michel Temer, não adianta pensarmos em diminuir o número de partidos políticos no Brasil pois isso se mostra inviável dado a conjuntura política brasileira. É preciso olhar a divisão partidária em blocos, sendo esta uma maneira de talvez, com o tempo, conseguir atingir um sistema político brasileiro mais enxuto. Essa natureza de blocos partidários acontece organicamente através das coligações, mas também seria muito útil que se estabelecesse como permissão política as chamadas federações partidárias, pois manteria uma certa constância no que tange às coligações partidárias durante pelo menos um mandato. O ex-presidente acredita que deste modo, haveria uma força tendencial e invisível que promoveria a união destes partidos em um único, o que ajudaria na tese de um sistema semipresidencialista.
Para concluir, Miguel Relvas acredita que o Brasil tem potencial para sair desta crise de governabilidade que está enfrentando, pois o país tem todas as ferramentas necessárias para superar esta instabilidade política, e relembra, que instabilidades políticas são parte do processo e que acontece em todos os lugares do mundo. Na opinião do ex-presidente Michel Temer, independentemente do sistema político escolhido para governar o Brasil, é preciso buscar um pouco de paz e equilíbrio interno e, para isso, precisamos ser otimistas, principalmente porque o Brasil sempre foi capaz de superar suas adversidades e com certeza será capaz de superar mais esta. Em concordância com Temer, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conclui que o futuro é sim otimista, especialmente quando comparamos o Brasil de hoje com o de anos atrás, e o que garante o progresso é o inconformismo presente no povo que está sempre desejando o melhor para suas vidas.


Quer saber mais sobre semipresidencialismo?

Confira abaixo o artigo escrito pelo ex-presidente Michel Temer para o jornal Estadão e um vídeo oferecido pelo Politize explicando de maneira didática o tema.
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