PT | EN | ES

Como alavancar PPPs com impacto de investimento urbano e social

Publicado em: 18.07.22 Escrito por: Regina Esteves Tempo de leitura: 5 min Temas: Modernização da Administração
Voltar ao topo

Como alavancar PPPs com impacto de investimento urbano e social

Os BIDs são entidades sem fins lucrativos dedicadas a organizar esforços dos cidadãos para recuperar espaços públicos e servem de lição ao Brasil

Julho, 2021

Vista aérea de Manhattan, em Nova Iorque: metrópole americana tem 67 BIDs, entidades sem fins lucrativos dedicadas a renovação de espaços públicos. Juntos, elas movimentam mais de 100 milhões de dólares por ano (Alexander Spatari/Getty Images)

Eram os anos 80 e a região em torno da Union Square, em Manhattan, passava por um ciclo de decadência. O quadro não era propriamente incomum na Big Apple daqueles anos. Altos índices de violência, consumo de drogas, espaços públicos danificados, perda de atratividade turística e econômica.

Foi aí que a comunidade reagiu. Em 1982, um grupo de empresários locais criaram o 14th Street BID, como era conhecido à época. Um deles era Norman Buchbinder, empreendedor local e um tipo apaixonado por Nova Iorque. Hoje ele é nome de uma pequena rua, na região.

A 14th Street BID foi o primeiro Business Improvement Business District (BID) de Nova Iorque. Seu nome hoje é Union Square Partnership. Tem um orçamento anual de U$ 2,8 milhões, funciona à base de uma contribuição paga pelos empresários locais, grandes e pequenos, é uma non-profit, no conceito americano, uma entidade sem fins lucrativos, com perfil empresarial, comando profissional e um foco perfeitamente claro: desenvolver a região.

Fazer desde as coisas básicas, como manter a limpeza e a segurança da áreas, passando pelas coisas simples, como embelezar o parque, promover eventos, fazer um marketing positivo da região, até lidar com os temas mais complexos, como atrair investidores e fazer advocacy junto aos poderes públicos de Nova Iorque.

Nova Iorque tem hoje 67 BIDs (nos Estados Unidos são mais de mil), que investem mais de U$ 100 milhões para revitalizar e desenvolver regiões da cidade. O valor não é o mais importante. A função de um BID é, em primeiro lugar, catalisar energias da comunidade, realizar as pequenas coisas, que vão desde cuidar das calçadas e harmonizar as fachadas do comércio, até a mobilização para a busca de inversões públicas ou privadas de peso na região.

O modelo dos BID se tornou, nas últimas duas décadas, uma tendência da gestão urbana. Ao invés de simplesmente demandar dos governos e esperar que o setor público aja, como reza a visão tradicional das políticas públicas, o novo modelo propõe uma inversão: a comunidade se organiza, estabelece uma visão de longo prazo sobre sua própria região, cria um instrumento próprio de gestão, resolve ela mesma o que está a seu alcance resolver, e se coloca diante do setor público com força e organização.

No Brasil ainda estamos no começo, mas há exemplos interessantes. O maior deles talvez seja o do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Neste caso, a iniciativa foi do próprio governo. A estruturou uma PPP e financiou o projeto, entre outras fontes, com a emissão de Certificados de Potencial Adicional Construtivo (Cepacs) para investidores do setor imobiliário com projetos comerciais.

A rigor, não há um modelo fixo para a criação de um BID. No caso do Rio de Janeiro, foram utilizadas a lei das PPPs, a lei das concessões públicas e a lei das organizações sociais, na gestão de centros culturais de ponta, como o caso do Museu do Amanhã e do MAR, o Museu de Arte do Rio.

A verdade é que há tudo a ser feito e estamos diante de uma incrível oportunidade, para nossos gestores públicos e comunidades. Tramita no Congresso Nacional proposta do então deputado Pedro Paulo, a PEC 415/18, que permite aos municípios a criação de contribuições regionais e a delegação da realização de obras e ações públicas por parte dos BIDs.

Mas a verdade é que a formação de uma parceria público privada como esta não precisa esperar por uma legislação federal. A própria comunidade pode pactuar, criar sua própria organização, tomar a iniciativa, e começar pelos desafios mais simples.

No fundo, estamos diante de uma tendência. Comunidades conhecem melhor a sua região do que os governos centrais. Comunidades tem interesses concentrados, sabem que podem ganhar mais, em termos econômicos, mas também em civilidade, se tomarem para si o planejamento de longo prazo de suas regiões, e a gestão de planos de ação com muito mais rapidez e menos burocracia do que os governos em regra oferecem.

Mesmo a pandemia é um oportunidade de acelerar estes processos. O drama que ainda estamos vivendo nos ensinou que certas soluções precisam ser coletivas. Oferecer segurança às pessoas, equacionar o drama dos moradores de rua, embelezar as nossas cidades, criar padrões de qualidade na oferta de serviços, reduzir a burocracia para novos negócios.

A nova gestão pública é, cada vez mais, uma responsabilidade compartilhada. Comunidades que não se organizarem tenderão a ficar para trás. O poder público será, cada vez mais compreendido como um parceiro estratégico, e não como o único responsável pelo desenvolvimento.

O Brasil foi, historicamente, um sociedade que nasceu a partir do Estado. Por muito tempo alimentamos uma cultura paternalista, esperando que as soluções viessem de cima. Felizmente essas coisas estão começando a mudar, e os BIDs são apenas um exemplo nesta direção.



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Regina Esteves
Diretora Presidente Comunitas
O que você
achou desse
conteúdo?

Média: 0 / 5. Votos: 0

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar!

Compartilhe
este conteúdo:

Deixe seu comentário!

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Postagens relacionadas

Governança Compartilhada, Modernização da Administração

Governança Corporativa e Gestão Pública XII: iESGo, o novo índice de governança do TCU

Neste encerramento da série ”Governança Corporativa”, cuja intenção foi contribuir na orientação de candidatos e eleitores nestas eleições municipais, além de trazer um balanço dos 12 conteúdos abordou-se o iESGo, índice de avaliação da Governança do TCU, que materializa através de um método a abordagem da Governança Organizacional Pública, abordagem do “Tribunal” para orientar a gestão pública federal, e pode ser usado como inspiração no escopo municipal.
13.08.24 Marcos Antonio Rehder Batista
Governança Compartilhada, Modernização da Administração

Governança Corporativa e Gestão Pública XI: 6ª Edição do Código IBGC (2023)

Em 2023, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa divulgou um novo código, com mudanças nos princípios de avaliação. Como os parâmetros de análise da Governança Pública utilizados pelos nossos Tribunais de Contas é bastante influenciado pela versão anterior do IBGC, como é possível uma atualização deste paralelismo conceitual?
26.07.24 Marcos Antonio Rehder Batista
Governança Compartilhada, Modernização da Administração

Governança Corporativa e Gestão Pública X: Resiliência Organizacional pela abordagem IAD

A análise de governança a partir da abordagem microeconômica de Elinor Ostrom demonstra de forma bastante concreta os ganhos sociais e econômicos da adoção de boas práticas de Governança Pública dentro de governos democráticos.
12.07.24 Marcos Antonio Rehder Batista

Lideranças com espírito público

Somos servidores, prefeitos, especialistas, acadêmicos. Somos pessoas comprometidas com o desenvolvimento dos governos brasileiros, dispostas a compartilhar conhecimento com alto potencial de transformação.