Colaborações Público-Privadas em presídios: desafios para garantir eficiência com respeito aos detentos
A contratualização da gestão de presídios surge como resposta a diversos desafios crônicos das administrações prisionais públicas brasileiras: falta de recursos orçamentários, deficiência de infraestrutura, ausência de pessoal qualificado e baixa capacidade institucional para planejar, executar e monitorar serviços de custódia e reinserção social.
Em muitos estados, as unidades prisionais sofrem com superlotação, deficiências estruturais e operacionais e altos índices de reincidência. Esse é um reflexo não apenas do crescimento exponencial da população carcerária, mas também da dificuldade do Estado prover serviços educativos, de saúde, de alimentação e de segurança com padrões de qualidade.
Nesse cenário, a celebração de contratos com entidades do setor privado para assumir a operação total ou parcial das unidades é uma alternativa para ampliar a qualidade dos serviços, reduzir custos operacionais e incorporar a experiência gerencial que muitas vezes falta ao poder público. Contudo, o setor prisional é extremamente delicado e requer muita atenção dos gestores públicos no momento de elaboração dos contratos para garantir regras claras de desempenho e mecanismos rígidos de fiscalização.
Quer saber mais como é possível alinhar esse tipo de administração de forma benéfica? Continue a leitura!
O dilema custo‑qualidade
A literatura de economia pública já debate há décadas os desafios que emergem da concessão de serviços públicos a organizações privadas, especialmente àquelas com fins lucrativos. É latente o dilema entre reduzir custos e manter a qualidade de serviços sensíveis, como os de saúde, educação e, aqui, o sistema prisional.
Em um artigo seminal nessa área de pesquisa, chamado “The Proper Scope of Government: Theory and an Application to Prisons” o economista Oliver Hart, vencedor do Nobel de Economia, em conjunto com outros pesquisadores, levanta preocupações sobre contratos que permitem que o parceiro privado reduza seus custos. Os autores argumentam que esses contratos podem acabar incentivando cortes indiscriminados de insumos e mão de obra, comprometendo padrões de qualidade e a própria missão social da atividade contratada, colocando em risco a qualidade dos serviços públicos prestados.
Por isso, é fundamental que os contratos de gestão prisional contenham cláusulas robustas de qualidade. Isso inclui, por exemplo, indicadores de segurança contra superlotação, garantia de atendimento de saúde e jurídica, oportunidades de escolarização e trabalho, padrões de alimentação e normas de higiene.
Mais que apenas estabelecer nos contratos os padrões de qualidade, é essencial que o poder público estruture mecanismos de fiscalização contínua, com auditorias internas e externas e, eventualmente, até mesmo a participação de organismos independentes de controle social, como ouvidorias públicas e comissões de acompanhamento. Dessa forma, será possível mitigar esse efeito do dilema custo-qualidade e aplicar sanções em caso de descumprimento. Sem isso, a tentação de empurrar os “problemas carcerários” para o parceiro contratual, sem o aparato estatal devidamente preparado para supervisioná‑lo, pode levar a resultados ainda piores do que a gestão inteiramente pública.
Esse desafio começou a ser enfrentado por gestores públicos no Brasil na década de 1990, quando o Estado do Paraná, sob o governo de Jaime Lerner, estruturou parcerias para a operação de unidades prisionais. Nesses modelos, o parceiro privado ficou responsável por toda a administração interna, englobando serviços de alimentação, limpeza, segurança, custódia e fornecimento de atividades laborais, mediante pagamento mensal per capita. As contratualizações foram analisadas em estudos de Sandro Cabral, professor do Insper, encontrando resultados positivos na qualidade da gestão prisional, sem efeitos negativos em aspectos sociais e humanos. Dessa forma, a experiência paranaense serviu para expandir os horizontes de governos estaduais em todo o país nos anos seguintes.
Casos recentes no Brasil e modelos de PPP
Nas últimas duas décadas, o país testemunhou a estruturação de diferentes projetos de Parcerias Público‑Privadas (PPPs) para construção e gestão de presídios. Nas PPPs, o parceiro privado assume investimentos em infraestrutura (construção, ampliação ou reforma) e, em geral, também na operação, recebendo contraprestação do Estado vinculada ao cumprimento de metas de desempenho. Em teoria, a PPP alinha os interesses de longo prazo do gestor (investidor que só recebe enquanto entrega qualidade) com as necessidades do Estado, transferindo riscos de construção e operação, mas exigindo contratos mais complexos e custos de transação maiores.
PPP de Ribeirão das Neves (MG)
Em 2013, o Complexo Penal de Ribeirão das Neves, cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi implementado sob uma PPP, sendo o primeiro do Brasil nesse modelo. O contrato, com duração inicial de 27 anos e prorrogável até 35 anos, previu a construção e operação de até 3.360 vagas em regimes fechado e semiaberto. A concessionária recebe remuneração variável vinculada a três indicadores principais: ressocialização; segurança e condições básicas; e monitoramento operacional. Todos eles são aferidos bimestralmente pelo Sistema de Mensuração do Desempenho e da Disponibilidade (SMDD) e auditado por uma entidade independente.
Com o limite rigoroso de vagas, o complexo evita superlotação, oferece atividades laborais a dois terços dos presos aptos, gerando cerca de R$ 9,7 milhões/ano em receita para a concessionária. Isso produz uma economia ao Governo de Minas Gerais de R$ 4,2 milhões por ano com a remição de pena. Não há registro de motins ou fugas relevantes, e o controle de entrada de celulares e drogas se mantém em níveis reduzidos.
Para conhecer mais a fundo o projeto da PPP prisional de Ribeirão das Neves, implementado pelo Governo de Minas Gerais, clique aqui.
PPP de Erechim (RS)
Em abril de 2024, foi assinado pelo Governo do Rio Grande do Sul o contrato da PPP para a construção e gestão de um novo presídio em Erechim, cidade de cerca de 100 mil habitantes no noroeste rio-grandense. Essa foi a primeira PPP em segurança pública no Rio Grande do Sul, com investimento estimado em R$ 149 milhões para erguer dois módulos prisionais e disponibilizar mais 1.200 vagas ao sistema estadual. Com duração de 30 anos, o contrato prevê remuneração de R$ 233 por vaga ocupada por dia à concessionária, havendo também bônus atrelados a indicadores de reintegração social, como o oferecimento de trabalho, educação e atendimento jurídico‑psicológico. O acordo abrange construção, manutenção, limpeza, apoio logístico e uso de tecnologia na operação prisional.
Para entender melhor o modelo contratual da PPP prisional de Erechim, clique aqui e leia o edital da concorrência pública.
Tanto no caso de Minas Gerais, que já está em operação há anos, quanto no modelo gaúcho, que ainda está em fase de construção da infraestrutura prisional, é fundamental monitorar resultados continuamente e estruturar mecanismos de governança e fiscalização intensos. Nesse processo, deve-se comparar indicadores contratuais com dados independentes de institutos de pesquisa e auditorias do Ministério Público e Defensoria Pública, garantindo que a lógica de pagamento por performance não se sobreponha ao respeito aos direitos fundamentais dos encarcerados. Também é recomendável trazer o terceiro setor e organizações sociais para as estruturas de governança, de modo a ganhar a confiança da população e garantir estabilidade à gestão.
Possibilidades para a gestão prisional
A contratualização da gestão prisional apresenta potencial para superar deficiências históricas do sistema penitenciário público, como falta de investimento, ausência de padronização e limitação de capacidades gerenciais. No entanto, a experiência internacional e nacional demonstra que a simples transferência de atribuições a parceiros privados ou organizações sociais não basta: é preciso desenhar contratos rigorosos, com indicadores de qualidade bem definidos, sanções automáticas por descumprimento e mecanismos de controle social e institucional robustos.
Para avançar, recomenda-se que os governos adotem práticas de elaboração participativa de editais, envolvendo o Ministério Público, Defensorias, centros de pesquisa e a sociedade civil. Nos contratos, deve haver cláusulas de reintegração social e direitos mínimos inegociáveis, com critérios claros para permitir a mensuração. Também é recomendável haver fiscalizadores independentes para auditoria permanente e revisão periódica de contratos, permitindo ajustes em face de mudanças demográficas, orçamentárias e de políticas de segurança pública. Assim será possível fazer a contratualização prisional se tornar instrumento efetivo de melhoria do sistema, harmonizando eficiência de custos e respeito às garantias individuais constitucionais.
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