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Ciclo PDCA na Gestão Pública: para além do planejamento

Publicado em: 11.07.24 Escrito por: Edgard Lombardi Tempo de leitura: 8 min Temas: Modernização da Administração, Planejamento Estratégico
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Não é de hoje que sabemos a importância do planejamento no setor público para a efetivação dos direitos previstos em leis e, em especial, em nossa Constituição Federal. Planejar é o ato de encurtar a distância entre uma situação ideal e a realidade prática. Como exemplo, temos a tão sonhada garantia de saúde pública para todos, que, tal como qualquer outro direito conquistado, terá mais chances de ser efetivada se houver clareza quanto aos desafios existentes, os objetivos a serem atingidos, as metas de curto e longo prazos, a previsão de recursos financeiros, as parcerias necessárias para o funcionamento dos equipamentos de saúde, etc.

O planejamento é ainda mais relevante quanto estamos em municípios. É neste momento que a população pode e deve participar ativamente, propondo caminhos e criticando escolhas, de modo a enriquecer ainda mais o processo de definição da agenda política que afetará diretamente a cidade onde moram. Diversos normativos positivam o dever do poder público de elaborar planos, nas mais diversas dimensões, tal como o Plano Plurianual, que define programas e ações para o período de quatro anos; ou os planos setoriais, como os de Educação, de Saúde, de Alimentação Escolar, e outros. Sem dúvidas, avançamos muito. Mas, e o dia seguinte?

Como esses planos se integram? De que forma e quando são monitorados? Essas ações previstas chegam à população? Essas questões envolvem o dia a dia de técnicos em municípios no Brasil todo. No famoso e já clássico ciclo PDCA (acrônimo em inglês para planejar, fazer, checar e agir), tão ensinado em livros de administração, certamente o P já não é tão mais urgente assim. Planejamos muito bem, mas monitoramos pouco a execução prevista e quase não avaliamos o que foi realizado. É urgente definirmos um novo ciclo de gestão mais robusto, no qual todos os esforços sejam direcionados aos cidadãos, e o planejamento público não se resuma apenas na elaboração de planos pro forma que não garantem uma transformação real da sociedade.

A Prefeitura Municipal de Fortaleza, por meio da lei n° 11.349/2023 que institui a Gestão para Resultados como seu modelo de gestão pública, formalizou a entrada do Município neste paradigma de gestão que estabelece o cidadão como o real beneficiário de toda ação, projeto ou política pública criada em Fortaleza. Dentre outras inovações, a lei visa integrar os instrumentos de planejamento existentes de modo a unificar a estratégia governamental, e, assim, garantir um monitoramento único e sistemático dos projetos e ações previstos nos planos vigentes.

Um mapeamento inicial realizado no Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), autarquia responsável pelo planejamento estratégico e a integração de dados do Município, identificou fragilidades que obstaculizavam a implantação de um modelo focado em resultados:

  • Diversidade de instrumentos de planejamento: Havia diversos planos vigentes, cada qual com sua terminologia e desdobramentos. Para alguns, existia o nível de projeto, para outros, o de ação. Muitas vezes esses elementos não se correspondiam, dificultando uma estratégia clara, conectada e simples.
  • Integração insuficiente desses instrumentos: Cada um dos planos possuía um estágio de maturidade, dificultando a integração operacional. Alguns tinham sistemas de acompanhamento, outros não. A periodicidade de acompanhamento e de vigência variavam, além de haver órgãos centrais distintos para cada plano.
  • Baixa maturidade em cultura de dados para monitoramento: Foi identificado que as lideranças das unidades internas geriam a estratégia de suas equipes de forma intuitiva, com pouco uso de dados e evidências para a tomada de decisão, de modo que ocorriam situações de desconforto quando a Unidade Setorial de Planejamento (USP) solicitava informações sobre os projetos em andamento, já que essa prática de acompanhamento não era rotina entre as áreas do Instituto.

Diante desse cenário, a Unidade Setorial de Planejamento (USP), setor interno responsável pelo planejamento estratégico do Instituto, lançou o Programa de Gestão Integrada, que, com base na lei da GpR, visava unificar e simplificar a estratégia setorial prevista em diversos instrumentos de planejamento da entidade e criar um fluxo único e sistemático de coleta de dados para o acompanhamento dos projetos e ações em execução. Os princípios do Programa eram: processos (claros, com rotina e ciclo definidos); pessoas (engajadas e corresponsáveis pelo processo); e produtos (relatórios, boletins e reuniões de monitoramento realizadas).

Após um ano de execução do Programa, com a rotina dos ciclos de acompanhamento definida; as reuniões trimestrais de monitoramento da estratégia realizadas; o protocolo de integração dos diversos instrumentos de planejamento sendo seguido a contento, algumas lições aprendidas foram elencadas:

  • Simplificação na coleta de informações: O programa permitiu que a USP criasse um fluxo único de coleta de dados com as unidades internas, com periodicidades fixas em ciclos: mensal, trimestral, semestral e anual. Assim, as áreas puderam se programar e ter previsibilidades para organizar os dados sob sua responsabilidade.
  • Confiabilidade nos registros das informações: Independentemente do ciclo de coleta, seja mensal, trimestral ou semestral, a USP, após a coleta dos dados, faz análise prévia e crítica sobre o que foi aferido, verificando a confiabilidade, consistência e credibilidade da informação. Desta forma, a USP passou a agir como um hub estratégico, que filtra o que é mais pertinente para ser direcionado aos relatórios e à Presidência.
  • Melhoria na Capacidade de Planejamento: Planejar o futuro sem saber do passado é um erro comumente cometido e que pode prejudicar a estratégia da organização. Com o programa, o Instituto, agora, possui o histórico dos resultados e realizações de seus instrumentos de planejamento, permitindo a projeção de cenários futuros baseados em dados.
  • Potencialização do Controle Interno e de Desempenho da Gestão: Com a coleta sistemática de dados, o Ipplan passou a ter maior controle de suas atividades. Além disso, com o ciclo mensal e sistemático de coleta de informações, a USP consegue gerar resultados parciais sobre o desempenho da gestão naquele período, com a apuração dos resultados físicos, financeiros e de indicadores.
  • Tomada de decisão baseada em evidências: Em 2024, já com os ciclos de coleta de dados mais maduros, as reuniões do Comitê Gestor Executivo começaram a ser pautadas com os dados do monitoramento integrado, sobretudo com a projeção da situação dos projetos estratégicos. Desta forma, a alta gestão e os diretores possuem subsídios e evidências para que as decisões sejam tomadas, conforme as diretrizes do modelo de Gestão para Resultados da Prefeitura de Fortaleza.
  • Linguagem simples e ampliação do engajamento: A USP passou a incorporar como padrão de seus relatórios e conteúdos o uso da linguagem simples, como tática para deixar a linguagem menos técnica e facilitar o entendimento dos materiais. O Boletim do Orçamento Setorial, por exemplo, elaborado mensalmente, é feito em apenas uma página, com gráficos simples, linguagem menos técnica e com recursos visuais atrativos. Busca-se, assim, ampliar o engajamento dos servidores em torno de conteúdos comumente associados como “chatos, difíceis de entender e pouco claros”.
  • Melhoria na Comunicação Interna: No primeiro semestre de 2024, o Ipplan criou o grupo de whatsapp “Ipplan INFORMA”, incluindo todos os colaboradores do Instituto e com o objetivo de compartilhar materiais de interesse. A USP é uma das administradoras do grupo. Desde então, houve a criação da hashtag “#Compartilha”, pela qual a Unidade divulga os materiais elaborados, fruto dos ciclos de acompanhamento, tais como o Boletim do Orçamento, os relatórios do PPA e Metas Institucionais Anuais, e outros. Além do whatsapp, foi reforçada a comunicação via e-mail.

Mesmo com a implementação do programa e os avanços conquistados, ainda há vários desafios a serem superados, sobretudo na dimensão Pessoas. É preciso que todos os servidores estejam envolvidos na estratégia do órgão, cientes dos objetivos a serem alcançados e como eles contribuem para isso. O monitoramento sistemático contribui para esse avanço. A Estratégia não deve ser assunto somente de gabinete ou de reuniões cíclicas, sob o risco de perde-la ao fim de cada Gestão. Deve ser assunto no cafezinho, na portaria, nos diálogos entre equipes. As pessoas são o foco da estratégia.



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Edgard Lombardi
Coordenador de Planejamento, Desenvolvimento Institucional e Controladoria Interna do Instituto de Planejamento de Fortaleza
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