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Cancelamento de contratos, o bode na sala dos planos de saúde?

Publicado em: 06.06.24 Escrito por: Januario Montone Tempo de leitura: 5 min Temas: Saúde
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Indignação da opinião pública com os cancelamentos de contratos de planos de saúde, por decisão unilateral das operadoras, com forte repercussão na mídia profissional e nas redes sociais. Um conjunto de operadoras, numa ação que até pareceu orquestrada, começou a cancelar contratos da modalidade “coletivos”, alegando novas estratégias empresariais. Curiosamente, os cancelamentos atingiram contratos de pessoas idosas, em tratamentos dispendiosos ou com necessidades especiais. Algumas fontes falam em 30 mil contratos.

Nada se ouve do Ministério da Saúde ou da ANS, mas a Câmara dos Deputados, com o deputado Arthur Lira à frente, convoca as operadoras, acena com uma CPI e exige um recuo. Elas prontamente se comprometem a suspender novos cancelamentos e a rever parte dos que já haviam sido feitos. Em troca, recebem a garantia de que o Projeto de Lei nº 7.419/2006 será votado até o final deste ano e que a Câmara está disposta a atender algumas das reinvindicações do mercado.

A maior delas, a permissão de comercialização de “planos segmentados”, nova versão dos famigerados “planos populares” que o mercado tentou aprovar em 2016. Ou seja, planos que vão garantir apenas coberturas parciais, excluindo o tratamento de determinadas doenças, limitando os tipos de cirurgia, os dias de internação, mais ou menos como acontecia antes da regulamentação.

Daí o título deste artigo. Como na fábula chinesa em que o sujeito não aguenta mais a confusão em sua casa e o sábio da aldeia recomenda que traga o bode para morar com ele, a mulher, seis filhos, o cunhado e a sogra. Quando recebe nova reclamação de que as coisas pioraram, ele sugere que o bode seja colocado para fora e tudo se resolve.

Não sou adepto de teorias conspiratórias, mas desconfio muito desses movimentos sincronizados, com tempos e movimentos controlados, e preparados para criar uma narrativa de que o melhor para todo mundo é poder vender planos baratos, com cobertura limitada, criando um novo modelo de enganação para substituir os “planos falsos coletivos”, verdadeiros vilões dessa história, em troca de proibir os cancelamentos.

Quando a lei nº 9.656/98 proibiu o rompimento unilateral, ou seja, o cancelamento de planos de saúde individuais, que também passaram a ter seus reajustes controlados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a reação do mercado foi deixar de oferecer esse produto. Num primeiro momento, concentraram-se nos planos coletivos empresariais e os por adesão, que eram negociados com associações e sindicatos para seus associados.

A regulamentação desses modelos é mais indireta: (a) por se tratar de negociação entre empresas ou entidades; (b) envolver um grande números de vidas; (c) não haver período de carência, nem para doença ou lesão pré-existente; (d) não haver reajuste por faixa etária; (e) serem disputados pelas operadoras; e (f) haver possibilidade de negociação de fatores moderadores de uso gerenciados pela empresa e de compartilhamento de risco.

Depois, o mercado reagiu em duas frentes. Com o crescimento das Administradoras de Benefícios que funcionam como contratantes de planos coletivos por adesão e o aparecimento dos “falsos coletivos empresariais” viabilizados pela pejotização do mercado de trabalho. Surge o “plano coletivo empresarial de 3 vidas”. Basta ter um CNPJ e você contrata um plano empresarial que tem todas as características de um plano individual e familiar, como carências, inclusive para doença e lesão pré-existente e reajustes por faixa etária. Só não tem as garantias do individual: reajuste controlado pela ANS (6,39% para este ano) e proibição do cancelamento pela operadora, exceto por fraude ou inadimplência. Corretores se especializaram em oferecer a abertura de “pejotas” para contratação de planos.

Os planos desse segmento do mercado substituíram os planos individuais na maioria das operadoras e formaram um imenso contingente de consumidores subprotegidos: não têm a proteção da capacidade de negociação dos verdadeiros planos coletivos, nem a proteção que a lei confere aos planos individuais.

Os problemas do setor são inúmeros e sua sustentabilidade está claramente em cheque, mas ao menos três barreiras estratégicas impedem que uma solução verdadeira avance: (1) a dificuldade das operadoras de aceitar que são empresas de saúde; (2) a ausência de poder regulatório da ANS sobre os hospitais e outros prestadores de serviço e (3) a ausência de liderança estratégica do Ministério da Saúde para integração dos setores público e privado.

Vale lembrar que a regulamentação dos planos de saúde só aconteceu por uma intensa mobilização da sociedade civil contra os abusos do período selvagem deste mercado. Será que caminhamos para uma volta ao passado?

Artigo publicado originalmente na Fundação Espaço Democrático.  



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Januario Montone
Sócio-Fundador em Monitor Saúde
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