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Progresso: de etapas

Neste módulo, já compreendemos todos os pré-requisitos jurídicos necessários para a aprovação de um financiamento internacional. Apesar de certamente importantes, os requisitos jurídicos não são suficientes. Para de fato concretizar uma operação de crédito junto a organismos multilaterais, as prefeituras deverão também se atentar à importância do planejamento. Esse segundo tópico tem o objetivo de abordar pertinentes elementos que deverão ser observados nas etapas iniciais de preparação dos projetos.

A. Dimensão Estratégica dos Projetos 

O modelo orçamentário brasileiro é formado pela tríade de siglas PPA, LDO e LOA, os principais mecanismos de planejamento das três instâncias de governo do Brasil. O Plano Plurianual (PPA) é o documento norteador dos dispêndios dos entes federativos, responsável por ditar as diretrizes, objetivos e metas a médio prazo (quatro anos) do país, do estado, ou do município (BRASIL, 1988). Importante destacar que o desenho do PPA é feito no primeiro ano de mandato do candidato eleito, documento este que, após sua aprovação, entrará em vigor entre o segundo ano de trabalho de tal político, até o primeiro ano do próximo dirigente. 

Já a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei de Orçamentária Anual (LOA) irão ditar detalhadamente quais serão as prioridades de ação e, consequentemente, quanto o ente federativo deverá desembolsar para a execução das atividades. Tanto a LDO quanto a LOA estabelecerão objetivos e receitas previstas da administração pública para um ano apenas.

Quer saber mais sobre o modelo orçamentário brasileiro? Leia o artigo do Centro de Liderança Pública clicando aqui. 

Mas o que esses três instrumentos orçamentários municipais têm a ver com a captação de recursos internacionais?

O principal papel das leis acima descritas está em elencar as prioridades da gestão, indicando as prioridades de execução durante o mandato, e conforme a disponibilidade de recursos. Estamos falando, portanto, dos direcionamentos estratégicos do governo, que irão nortear todas as atividades desempenhadas por cada uma das secretarias da prefeitura.

Ao se formular um projeto que visa captar recursos via operações de crédito, em especial junto à fontes internacionais, é essencial que a proposta de intervenção esteja fortemente relacionada às estratégias de ação definidas pelos instrumentos de planejamento municipais. Dessa maneira, garantimos que os recursos (humanos, físicos e financeiros) estejam sendo adequadamente alocados em prol da resolução das reais problemáticas enfrentadas pelo território e sua população

Quando falamos de financiamentos internacionais, estamos na grande maioria das vezes nos referindo a intervenções estruturantes e de grande porte. Ao contratar uma operação de crédito desta dimensão, a prefeitura está comprometendo a capacidade de investimento da cidade para os anos futuros, sob o legítimo intuito de viabilizar o projeto no médio prazo. Por isso, é de vital importância que as iniciativas por esta modalidade financiadas, sejam um projeto do atual governo, mas para o município. Cabe apontar inclusive, que conforme visto no início do Módulo, a inclusão do projeto no PPA e a dotação na LOA são pré-requisitos obrigatórios para a captação de recursos internacionais no Brasil. 

Este importante alinhamento dos objetivos do projeto a ser financiado com as prioridades estratégicas do município, todavia, não se restringe às três peças orçamentárias mencionadas. Demais instrumentos, como Plano Estratégico, Planos Setoriais e Plano Diretor, são pilares de grande relevância, e o projeto também precisa dialogar com essas referências. Este último, por exemplo, consiste em um instrumento responsável por organizar o uso do território do município. Suas diretrizes de atuação podem ser, inclusive, incorporadas ao PPA, direcionando os dispêndios do município. Além disso, os instrumentos de planejamento supramunicipais devem ser observados, como os Planos Regionais, Planos Estaduais, Políticas Nacionais e até mesmo Agendas de Prioridades Internacionais. Sobre esta última, iremos aprofundar no próximo item.

B. Agenda de Sustentabilidade

Atualmente, os desafios nacionais e regionais são diretamente impactados por ações internacionais. Pelos problemas atravessarem fronteiras, muito se discute sobre planos de ação globais aplicáveis às realidades locais de cada parte do mundo. É o caso, por exemplo, do compromisso internacional trazido pela Agenda 2030, traduzido em 17 objetivos e 169 metas, conhecidos por Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), e pactuado entre os 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas, a ONU. 

Os ODS nasceram a partir da herança trazida pelos Objetivos do Milênio, os ODM. A Organização das Nações Unidas, com o objetivo de continuar os progressos trazidos no milênio anterior – de 2000 a 2015 – construiu com as diferentes nações integrantes um compromisso internacional mais robusto, a Agenda 2030. Clique aqui para conhecer um pouco mais sobre esse histórico.

A definição clássica de desenvolvimento sustentável, trazida no final dos anos 1980 pelo Relatório Brundtland, dá nome a principal missão da Agenda 2030: buscar melhorar a qualidade de vida da atual geração, sem comprometer as capacidades futuras das gerações subsequentes. No entanto, para que o conceito seja plenamente atingido, as nações precisam buscar em seus programas e políticas públicas a harmonia entre crescimento econômico, proteção ao meio ambiente e inclusão social, a fim de “não deixar ninguém para trás”.

Os ODS formam um quadro de princípios integrados e indivisíveis, a serem atingidos até 2030, que possibilitam avanços essenciais ao planeta entre as três diferentes esferas acima trazidas. Porém, tais diretrizes universais não possuem receita específica de aplicação, justamente pelas distintas realidades entre e intra países existentes. Cada territorialidade deverá definir suas prioridades, baseando a decisão em suas circunstâncias atuais. Confira abaixo um quadro ilustrativo dos 17 ODS:

Mas qual a relação entre os ODS e a Captação de Recursos Internacionais?

Da mesma maneira que os objetivos do projeto a ser financiado necessitam dialogar com os planejamentos internos do município, é de grande importância que a proposta de intervenção esteja em conformidade com a agenda internacional. Apesar de não ser um requisito explicitamente obrigatório, o alinhamento do projeto às pautas de destaque internacionais propicia a análise, aumentando as chances da captação de recursos ser exitosa. Isso ocorre devido, em especial, ao fato das prioridades dos agentes financiadores, da Comissão de Financiamentos Externos (que aprova os financiamentos internacionais) e até mesmo do Senado (que também é instância de aprovação), convergirem para o desenvolvimento sustentável, comumente associado ao cumprimento dos ODS. Dessa maneira, ao financiar projetos alinhados à Agenda 2030, os bancos multilaterais afirmam seu compromisso em ajudar iniciativas, cujos resultados finais vão de encontro ao cumprimento das metas estipuladas pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Dentre os principais temas de destaque que fazem parte desta agenda global de sustentabilidade, e que podem servir de direcionamento para o processo de formulação de projetos municipais, estão o enfrentamento às mudanças climáticas, a gestão dos recursos hídricos, o saneamento básico, infraestruturas sustentáveis de baixo carbono, geração de energia via fontes sustentáveis, entre outros.

Por fim, cabe apontar que além do alinhamento do projeto específico à Agenda 2030, é de extrema importância que o município institucionalize as premissas de desenvolvimento sustentável nos planejamentos locais. Esse processo se inicia com a territorialização e localização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a nível nacional, estadual e municipal. Territorializar significa integrar as políticas públicas subnacionais às metas ODS, enquanto localizar remete ao processo de mapeamento de políticas e programas já existentes, cujas ações auxiliam no atingimento das estratégias desenhadas em âmbito internacional. Os ODS, portanto, se tornam um mecanismo de planejamento a médio prazo, os quais requerem elementos como: prazos de execução, metas intermediárias e finalísticas, recursos, ferramentas de acompanhamento (ex. indicadores). 

Assim, a partir do momento que os governos locais decidem por se alinhar às metas globais, suas estratégias de gestão deverão se respaldar nas diretrizes da Agenda 2030 e seus ODS. É nesse momento que o PPA ditará o escopo de atuação durante os próximos quatro anos, tendo as prioridades de ação do próximo ano elencadas pela LDO, e o dispêndio para a realização dos programas, definido pela LOA.

Conheça aqui o caso da Prefeitura de Francisco Morato, referência nacional para a incorporação da Agenda 2030 a nível local. 

C. Formação de uma Equipe de Projetos 

O processo de contratação de empréstimos internacionais envolve diversos desafios. Tanto nas etapas iniciais, como a definição do escopo do projeto e o contato com as agências multilaterais, quanto nas etapas de execução, que envolvem as licitações e a prestação de contas. Diante dessa alta complexidade, é fundamental que a prefeitura interessada nessa modalidade de financiamento conte com uma equipe multidisciplinar, competente e comprometida com os objetivos do projeto. Esta equipe será responsável  pelo acompanhamento tanto das etapas de preparação do projeto, quanto das etapas de aprovação e de execução. Confira abaixo uma lista das principais competências exigidas para uma equipe de projetos no contexto de financiamentos internacionais.

  • Redação da Carta-Consulta: Conforme será abordado em detalhes no próximo módulo, a Comissão de Financiamentos Externos no Governo Federal (Cofiex) exige a apresentação de uma carta-consulta para as solicitações de empréstimos internacionais. Boas capacidades de organização, compilação de dados e escrita, serão portanto necessárias.
  • Avaliação dos Indicadores Contábeis: Conforme visto na primeira etapa deste módulo, os financiamentos internacionais envolvem uma ampla análise fiscal, em especial por parte da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Contar com um responsável que tenha conhecimentos fiscais e contábeis aprofundados e que esteja familiarizado com os demonstrativos da prefeitura, será um fator fundamental. Essa competência será requisitada tanto em uma etapa inicial para avaliar a viabilidade do processo, quanto no trâmite com o Tesouro, após a aprovação da carta-consulta.
  • Uso da Plataforma SADIPEM: Todos os trâmites de documentos e indicadores envolvidos no Pedido de Verificação de Limites (PVL) junto à STN, ocorre por meio do SADIPEM. Para garantir a fluidez do processo e evitar eventuais atrasos, é importante que haja algum responsável preferencialmente com experiência na utilização dessa ferramenta.
  • Monitoramento e Contato com Agências Internacionais: Grande parte dos bancos internacionais contam com representantes que dominam a língua portuguesa. Todavia, eventuais documentos e relatórios nas línguas inglesa e espanhola poderão ser envolvidos ao longo do processo. Contar com um responsável pelo relacionamento com essas instituições consiste em uma boa prática. Além disso, será necessário pesquisar as condições, agendar conversas e eventualmente até realizar visitas para avaliar o interesse e a viabilidade dessa modalidade de financiamento junto às instituições internacionais.
  • Condução de Estudos Técnicos: Apesar de oferecerem excelentes condições de empréstimo, as agências multilaterais também exigem alto crivo técnico na qualidade dos projetos. Isso significa que muito provavelmente será necessário conduzir estudos técnicos e de viabilidade econômica nas etapas de preparação do projeto. 
  • Articulação Política para Aprovações: Assim como qualquer financiamento nacional, é preciso receber a autorização legislativa municipal para se concretizar um empréstimo externo. Dessa maneira, será necessário conduzir negociações políticas para garantir a aptidão ao processo. Além disso, no caso das operações internacionais, será necessário aprovação do governo federal para concessão de garantia da União. Em função disso, a articulação política deverá contemplar não apenas a casa legislativa municipal, mas também as instâncias de aprovação federais. Em geral, o prefeito ou a prefeita são os responsáveis por essa competência, contando com suas habilidades políticas.
  • Acompanhamento Jurídico: Todo o processo envolve pareceres e atos jurídicos. Em geral, a procuradoria municipal atende às necessidades envolvidas no processo, mas a depender do objeto do projeto e de eventuais arranjos jurídicos alternativos, poderá ser necessária a contratação de escritórios especializados.
  • Execução das Licitações: A obtenção do recurso é um processo árduo, importante, porém insuficiente. Para verdadeiramente traduzir os recursos captados em resultados efetivos para a população, é necessário que os projetos sejam bem executados. Dentro dessa perspectiva, destacamos a importância da prefeitura se atentar às etapas de implementação do projeto. A realização das licitações é um bom exemplo de atividade que embora não seja exclusiva do projeto, certamente é relevante e exige importantes competências da equipe da prefeitura.
  • Gerenciamento do Projeto: Além da preparação do projeto, da captação dos recursos, da execução das licitações e do início das obras, é essencial que haja uma preocupação da prefeitura com o gerenciamento do projeto. Grandes intervenções podem contar com prazos bastante longos e sujeitos a atrasos. Garantir a boa capacidade de gestão do projeto é, portanto, de grande pertinência.
  • Prestação de Contas: Um último ponto de destaque tendo em vista as competências necessárias para a composição de uma equipe de projetos para um financiamento internacional, consiste na prestação de contas. As instituições financeiras credoras exigirão constantes devolutivas quanto ao avanço do projeto, e incluir isso no planejamento é um fator fundamental.
  • Suporte Externo: Em grande parte das vezes, acaba por ser necessária a contratação de empresas externas para complementar as competências necessárias dentro da equipe do projeto, em especial nos temas de engenharia. Isso dependerá do escopo do projeto, da complexidade das intervenções propostas e da capacidade instalada pelo quadro de servidores municipais. Todavia, é de vital importância que a prefeitura sempre conte com uma estrutura interna de servidores municipais que acompanhem o projeto, independentemente de serem contratadas empresas privadas. Isso se torna ainda mais importante tendo em vista o extenso prazo médio para aprovação e implementação dos projetos, fator este que exige continuidade.

Confira a seguir um exemplo da Unidade de Preparação do Projeto na Prefeitura de Chapecó (SC). O grupo foi responsável pela preparação do projeto que culminou exitosamente na contratação de um empréstimo de US$ 14.750.000 junto ao FONPLATA em 2007.

Estabelecimento:

“Art. 1º Fica criada, no âmbito da Secretaria Municipal de Governo a Unidade de Preparação do Projeto de Melhoria e Expansão da Infra-Estrutura Viária de Chapecó – UPP com a finalidade de desenvolver todas as atividades relacionadas à preparação do Projeto e da correspondente operação de crédito internacional a ser celebrada com o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata – FONPLATA.

Parágrafo Único – O prazo para a conclusão dos trabalhos da UPP é de doze meses, contados da data de sua criação, permitida prorrogação se fato relevante assim o exigir.”

Participantes:

  • Coordenador
  • Contador Geral do Município
  • Secretário da Fazenda e Administração
  • Procurador Geral do Município
  • Secretário de Pesquisa e Planejamento
  • Diretor Geral da Central de Licitações e Compras
  • Secretário da Infra-Estrutura

Atribuições e Competências:

Dentre as responsabilidades auferidas à Unidade de Preparação do Projeto, estão:

  1. Elaborar Plano de Trabalho para preparação do Projeto;
  2. Atuar como interlocutora primeira da Prefeitura Municipal de Chapecó junto ao FONPLATA, aos órgãos federais e estaduais envolvidos ou intervenientes na preparação do Projeto e às empresas ou profissionais que prestarão serviços relacionados à preparação do Projeto e da operação de crédito;
  3. Orientar e acompanhar a preparação dos projetos de engenharia e de paisagismo e urbanismo;
  4. Preparar minutas de editais para licitação de obras, serviços e equipamentos e termos de referências para a elaboração dos estudos básicos do Projeto e incorporar recomendações e sugestões do FONPLATA;
  5. Preparar, para apresentar ao FONPLATA, versões preliminares das demais peças técnicas para concretização da operação de crédito, tais como Documento de Projeto, Plano de Aquisições, Manual Operacional do Projeto, Plano de Execução do Projeto, Plano Operativo para o primeiro ano do Projeto, Marco Lógico, Orçamentos, Cronogramas de Implementação etc, e introduzir ajustes e recomendações do Organismo para obter versões finais desses documentos;
  6. Organizar e participar da realização das missões do FONPLATA relacionadas à preparação do Projeto e da operação de crédito;
  7. Orientar o governo municipal no acompanhamento da tramitação do processo, no âmbito do Ministério da Fazenda, para obtenção de autorização do Senado Federal para a assinatura do contrato com o FONPLATA.