Transição governamental com Mírian Lucia Pereira
A Comunitas está lançando a Jornada Desafios dos Futuros Prefeitos, iniciativa que busca apoiar os próximos chefes dos executivos municipais na transição de governo – que, por conta da pandemia, será com o menor tempo da história, na construção da agenda prioritária dos 100 primeiros dias de mandato, e na elaboração do plano de metas.
E para falar sobre o assunto, a conversa dessa vez é com a Mírian Lucia Pereira, servidora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), professora colaboradora convidada do Mestrado Profissional em Administração Pública (Profiap/Univasf) e especialista em transição governamental.
Confira a conversa:
#1 “Fui eleito prefeito, e agora?”. Qual o primeiro passo para uma Transição de Governo?
Depois de uma campanha eleitoral comumente intensa, em que especialmente, em alguns municípios, pode ser bastante acirrada, o que se espera do(a) eleito(a) é que continue se investindo do espírito republicano e inicie os diálogos, com o(a) prefeito(a) em exercício, nesta perspectiva, para “tomar pé” do cenário institucional e poder começar a atuar, como chefe(a) do município, já desde o primeiro dia à frente do cargo.
Claro que, durante o período de campanha, as promessas do palanque conquistam a população. Compromissos que devem estar sintonizados com o Programa de Governo, por exigência legal, e por coerência do(a) então candidato(a) – e, agora, prefeito(a) – que deverá elaborá-lo com a máxima harmonia com a realidade local.
É, exatamente, no processo de Transição Governamental – que deve ser cordial, respeitoso, civilizado – que há a possibilidade de ambas as gestões tratarem do município como espaço coletivo a ser cuidado…privilegiado independentemente de qualquer interesse particular ou partidário!
Por isso, o primeiro passo, para uma boa TG, é buscar o diálogo, com o(a) prefeito(a) atual, que, idealmente, deverá “abrir as portas” da prefeitura, para o(a) prefeito(a) eleito(a), possibilitando que as Comissões de Transição comecem a trabalhar, objetivando se antecipar a quaisquer necessidades urgentes e mitigando as chances de ruptura administrativa!
#2 Como começar uma Transição de Governo da melhor forma?
Sempre por meio do diálogo!
Se houver instrumentos normativos, preferencialmente, uma lei, estabelecendo as diretrizes, para a execução da TG, será excelente. Porém, a atitude proativa, colaborativa, aberta ao diálogo, poderá determinar o seu êxito.
Assim, é a conversa espontânea, republicana e comprometida, entre as duas gestões – a que está terminando o exercício e a que iniciará o mandato – o elemento essencial para começar uma Transição com os pés firmes e com passadas céleres, afinal, as necessidades da população não entram em recesso…o município não pode parar na “virada do ano” ou com a passagem das “chaves” da prefeitura para outras mãos!
Além disso, o cuidado na escolha do(a)s integrantes da Comissão de Transição – que devem ter conhecimento multidisciplinar, contemplando as diversas áreas da gestão pública, e uma boa dose de articulação política – é outro componente importantíssimo: é necessário saber o que e como requisitar as informações; é essencial saber analisá-las para dar-lhes os encaminhamentos adequados. Do contrário, o que ocorrerá é o mero cumprimento de uma formalidade, mas sem obtenção de conteúdos que contribuam para os resultados desejados.
Já sob o prisma das influências do ambiente político, na TG, é necessário que haja o estímulo à compreensão recíproca: de um lado, o(a)s servidore(ra)s da prefeitura devem, democraticamente, reconhecer/respeitar o resultado das eleições e cooperarem com as atividades da Comissão de Transição; e, por outro lado, a Comissão deverá aceder o aprendizado institucional desse corpo técnico. Assim, nessa composição técnico-administrativa, buscar-se-á uma mudança ordenada/propositiva, que possibilite a tomada de decisões, assertiva e sem sobressaltos, desde os primeiros momentos do novo ciclo governamental.
#3 Qual a importância da Comissão de Transição de Governo? E quais os critérios para formar uma equipe de transição efetiva?
Após a divulgação oficial do resultado das eleições, pela Justiça Eleitoral, deve-se iniciar o processo de Transição Governamental (TG) para que a gestão vencedora comece a governar, desejando-se encontrar as ações bastante encaminhadas com vistas à continuidade dos processos de gestão existentes. Isso porque a TG carece ser experienciada e reconhecida como uma ação da administração estratégica, que busca, por meio dela, dar conta do que foi planejado no Plano de Governo do(a)s eleito(a)s. Para tanto, é essencial que este/esta tenha conhecimento de um conjunto de informações institucionais relevantes para a tomada de decisões assertivas logo após a posse ou até mesmo antes dela! Porém, como existem outras atividades, de igual importância, a serem realizadas/articuladas, e que dependem exclusivamente, da sua atuação, é essencial que ele/ela designe uma Comissão de Transição (CT) para fazer o levantamento e a análise, dessas informações, dando-lhes os devidos encaminhamentos.
A CT é, portanto, é o elo entre a gestão em exercício e a que iniciará o mandato, cabendo, ao(à)s integrantes, de modo eficiente – mesclando tecnicidade e habilidade relacional – botar os pés no território para subsidiar os primeiros passos do(a)s gestore(ra)s do novo ciclo administrativo.
Assim, é necessário que esta Comissão seja composta por pessoas que tenham capacidade para assegurar os objetivos da TG, contudo, compreendendo a especificidade do momento institucional, por meio do exercício da sensibilidade/empatia. A partir desses arranjos técnicos-humanos-políticos, pode-se, com mais chance, identificar as principais dificuldades/urgências e formas de resolvê-las, bem como reconhecer as oportunidades, para a nova gestão, não apenas continuar, mas avançar nas soluções para os munícipes. A escuta e o acolhimento de sugestões de servidore(ra)s que estão, no cotidiano, fazendo a “roda girar” e, por isso, têm bastante conhecimento do município, podem contribuir bastante para a efetividade da TG!
Esse ano, 2020, especialmente, em função dos entorses provocados pela crise sanitária mundial (Novo Coronavírus), na vida da(o)s cidadã(o)s e da Administração Pública – demandando a (re)invenção e novas formas de atuação -, recomenda-se que a Comissão de TG seja integrada por pessoas com habilidade para enxergar, com mais racionalidade, as informações que são essenciais. Com as alterações no calendário eleitoral e o curto prazo para a realização das TGs, orienta-se que, criteriosamente, verifiquem-se as possibilidades reais, ainda que se deseje informações e ações completas…ideais!
Não é exagero ponderar que o sucesso de uma boa Transição estará na mão das pessoas. Claro que o(a) prefeito(a) atual e o(a) eleito(a) têm um papel bastante relevante, inclusive, como líderes, para conduzir a realização do processo de TG. Evidentemente, outro percentual importante, desse êxito, ter-se-á como consequência da atuação da Comissão, especialmente, da sua coordenação.
Por isso, idealmente, as CTGs devem ser formadas por integrantes com perfil técnico-gerencial, com conhecimento em Gestão Pública, especialmente, da Educação, da Saúde, da Assistência Social, de Pessoas, de Contabilidade Pública, Orçamento e Finanças públicas, Direito Público. Para além, recomenda-se que o(a) coordenador(a) tenha, além desses conhecimentos, capacidade de articulação política.
Assim, na hora de definir o(a)s integrantes, é importante ter clareza do que se deseja realizar e que as pessoas escolhidas terão papel definidor nos resultados obtidos. Além disso, para coordenar a Comissão de Transição, é importante que o(a) prefeito(a) designe alguém da sua confiança com quem tenha alinhamento estreito. Entretanto, tendo, também, a necessária formação gerencial e habilidade para trabalhar, em rede, perspectivando obter o engajamento do(a)s demais membro(a)s. Além disso, realizando interlocução fluída com a gestão em exercício e, sendo necessário, com atores externos como Tribunais, Câmara de vereadores, Conselhos Municipais, etc.
#4 Quais pontos devem ser observados para uma gestão de conhecimento eficiente durante a Transição?
A Transição não pode ser considerada apenas uma formalidade ou a mera troca de informações, mas como um conjunto de atividades relevante para a composição ou ajustes do planejamento estratégico da instituição. O que se espera, então, é que o(a)s integrantes, diretos ou indiretos, de uma TG, esforcem-se para que haja: a) a identificação do conjunto de informações a serem levantadas, sem supressões ou excessos, com a profundidade necessária; b) capacidade de análise, por parte de quem as recebe, para dar os encaminhamentos precisos, inclusive, detectando se carecem ser complementadas; c) compromisso, das gestões, para destacar as situações relevantes e/ou urgentes e os caminhos para as ações assertivas; d) adequações aos planos de ação governamentais, especialmente, o Plano de Governo, visando à continuidade e o atendimento à coletividade; e) compilação/registro do ativo institucional que se obtém por meio do conhecimento de cada parte, formando o todo; f) aprendizado pessoal e institucional, com o próprio processo de transição, para implementações futuras.
#5 Como uma Transição de Governo eficiente impacta no decorrer do futuro mandato?
A TG eficiente será aquela que consiga, em pouco tempo e com poucos recursos, obter o melhor resultado, qual seja, identificação das informações relevantes para que a nova gestão possa atuar, inclusive, antes da posse do(a) eleito(a).
Porém, não significa dizer que já será possível implementar o Plano de Governo, tendo em vista que, se forem encontrados desacertos ou irregularidades, o(a) novo(a) prefeito(a) poderá gastar um tempo considerável para poder “arrumar a casa”, buscando evitar rupturas das políticas e programas que são demandados à coletividade.
Assim, se a TG for bem executada poderá contribuir para que, conhecendo-se o panorama institucional, haja possibilidades de tomar decisões acertadas, desde o início do mandato. Desse modo, a depender do que seja encontrado, poder-se-á realizar os ajustes necessários – nas situações de descalabros, em menor ou maior intensidade – ou implementar o Plano de Governo – nas situações da desejável normalidade administrativa – podendo ajustá-lo, especialmente, à realidade local e ao orçamento anual.
Assim, obtendo-se clareza quanto ao cenário político-administrativo, é possível que o(a) eleito(a) ou reeleito(a) promova a continuidade dos programas, políticas, serviços, considerados importantes para os munícipes, e avance com as marcas da sua gestão e do seu modo de governar.
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