Com o objetivo de reduzir a fome e a pobreza, o Brasil criou, em outubro de 2003, por meio da MP no 132 e posteriormente da Lei no 10.836/2004, o Programa Bolsa Família (PBF), que unificou iniciativas como o Cadastro Único, o Auxílio Gás e o Fome Zero. Atualmente, o programa beneficia 20,56 milhões de famílias em todos os 5.570 municípios do país.
A proposta inicial era oferecer um benefício temporário para que as famílias em situação de pobreza (com renda per capita de até R$ 218,00) pudessem superar essa condição até conseguirem se sustentar por conta própria. No entanto, com o passar do tempo, o programa foi se consolidando de forma permanente, o que dificultou a entrada de novos beneficiários, devido às limitações orçamentárias e ao grande número de famílias em situação de vulnerabilidade, gerando filas de espera.
Ao longo de mais de duas décadas, o PBF retirou milhares de famílias da fome. Contudo, as estratégias de desenvolvimento empreendedor utilizadas isoladamente pelo Sistema Único de Assistência Social não foram suficientes para que a maioria das famílias saísse espontaneamente do programa. Na prática, muitas das iniciativas que tiveram algum sucesso acabaram fortalecendo atividades informais, já que a formalização poderia resultar na perda do benefício em uma eventual atualização cadastral.
Leia também: Pacto Federativo: A divisão de responsabilidades na gestão pública!
Nesse contexto, em dezembro de 2008, foi criado, por meio da Lei Complementar no 128, o Microempreendedor Individual (MEI), com o objetivo de permitir a regularização de profissionais informais, oferecendo acesso a benefícios previdenciários e outras vantagens. Em 2019, a Lei no 13.874 (Lei da Liberdade Econômica) trouxe ainda mais facilidades, como a dispensa de licenciamento em diversos casos.
À primeira vista, essas duas políticas públicas parecem complementares: de um lado, o PBF garante proteção social; de outro, o MEI abre caminho para a formalização e o empreendedorismo. Entretanto, na prática, a formalização muitas vezes levou à exclusão do Bolsa Família, fazendo com que famílias que buscavam se erguer voltassem à espera e, em muitos casos, à fome.
Isso ocorreu porque, historicamente, os equipamentos de assistência social passaram a considerar a existência de um CNPJ como sinônimo de aumento de renda, o que nem sempre corresponde à realidade. Como consequência, muitas famílias permaneceram na informalidade, sem acesso às proteções que a formalização poderia proporcionar.
Com o tempo, o país avançou. Após mais de 10 anos da criação das duas políticas, o Ministério do Desenvolvimento Social passou a disponibilizar conteúdos educativos que asseguram a permanência no PBF mesmo para os formalizados como MEI, desde que cumpram os requisitos do programa. Além disso, foi criada a Regra de Proteção, que garante uma saída gradativa do benefício para famílias cuja renda per capita aumente de R$ 218,00 até R$ 706,00.
Leia também: O Sistema Federativo Brasileiro: as políticas públicas municipais
O grande desafio, entretanto, é que esses avanços ainda não foram plenamente absorvidos pelos gestores locais do PBF, que muitas vezes continuam aplicando as regras sob uma ótica restritiva, impedindo a evolução das famílias já aptas a empreender.
Além disso, diversas iniciativas ainda funcionam de forma isolada, como o MEI, o PBF, o Programa Dinheiro Direto na Escola e o Contrata + Brasil, que se articuladas de forma transversal, essas políticas poderiam gerar impacto muito maior, oferecendo uma porta de saída digna para os que têm potencial de empreender e abrindo espaço para novos beneficiários em situação de vulnerabilidade.
Essa agenda urgente e necessária precisa ser internalizada especialmente nos municípios, responsáveis pela ponta da entrega das políticas públicas. Muitas vezes, os efeitos dessas ações são reduzidos pela complexidade dos organogramas e pela ausência de integração entre programas.
A verdadeira inclusão produtiva começa com uma ideia que se transforma em política pública e se concretiza quando o resultado chega de fato ao prato das famílias. É nesse ciclo que se fortalece a emancipação social e econômica, permitindo que famílias alcem seus próprios voos. Para isso, é essencial a participação efetiva e articulada de todos os atores envolvidos no processo.
Helena Rego
Gestora nacional de inclusão Socioprodutiva e simplificação do SEBRAE. Especialista em desenvolvimento territorial e políticas públicas para MPE – Ambiente de Negócios e Inclusão Produtiva.
Humberto Daniel de Mattos Silva
Consultor de Políticas Públicas, Coordenador do Centro do Empreendedor de Itaboraí, especialista em liderança, gestão pública e de pessoas, com atuação em governo municipal. Itaboraí-RJ
Conheça o MLG – Master em Liderança, Política e Gestão Pública
*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.
Postagens relacionadas
Contratualização de restaurantes populares: inovação e eficiência na assistência social
O Sistema Federativo Brasileiro: as políticas públicas municipais
Maior Cuidado: um olhar humanizado para a 3ª idade
Lideranças com espírito público
Somos servidores, prefeitos, especialistas, acadêmicos. Somos pessoas comprometidas com o desenvolvimento dos governos brasileiros, dispostas a compartilhar conhecimento com alto potencial de transformação.
Deixe seu comentário!