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Afrofuturo e gestão pública

Publicado em: 29.07.22 Escrito por: Rafaela Bastos Tempo de leitura: 6 min
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Afrofuturo e gestão pública

Julho, 2022

Foto: AdoroCinema

Por Rafaela Bastos*

Temos pautado e apresentado muitas outras maneiras de compreender o mundo em que vivemos, e com as políticas públicas não é diferente. Alguns assuntos como a diversidade, cuidam de agendas as quais, historicamente, estavam à margem de discussões importantes considerando inclusive as formas de produção do conhecimento e do saber. Atualmente, estes têm sido colocados em evidência bem como tratados como tema transversal às políticas públicas. Mas como temos feito para que assertivamente seja alocado este conhecimento para resultados finalísticos que impactem e mudem a vida do cidadão carioca e brasileiro?

 

Eu acredito que parte do compromisso de tornar a gestão pública mais eficiente na entrega da prestação de serviços ao cidadão reside no fato de utilizarmos métodos que apreendem desejos e comportamentos de grupos de indivíduos que compõem a sociedade. Para além disso, existe o fato de reproduzirmos mesmo como alguns gostam de afirmar “sem intenção”, modelos de pensamentos baseados em construções sociológicas fruto de permanências culturais históricas em muitas práticas. Essa modelagem de pensamento torna-se vieses implícitos ao longo do tempo, que são ativados em momentos de tomada de decisão a partir de diversos fatores aos quais estivermos expostos: emocionais, ambientais, informacionais e sócio temporais.

 

A gente encontra muitas informações sobre o Afrofuturo e Afrofuturismo, podendo ser percebido em muitas áreas como a estética, cinema, artes visuais, música, literatura. Eu gosto da noção de movimento. Porque para além dos diversos campos de atuação/ação/reflexão/questionamento, nos movimentamos, como construção, em direção a um futuro possível.

 

O Afrofuturo como método e Afrofuturismo é, antes de mais nada, um investimento na busca por assegurar de forma aplicada, mediações de interesses que agregam à diversidade de grupos de indivíduos que são impactados, indignificados e invisibilizados por conta da sua condição de raça/cor, e no processo de elaboração de políticas públicas, garantir que o desejo de existir em uma cidade seja pautado tal qual os sonhos sonhados. As agendas e as questões discutidas por estes grupos são uma alavanca substancial para mudanças paradigmáticas de realidades que nos entristecem nos jornais, mas tornam-se paisagem no fluxo diário das nossas rotinas. A metodologia é uma forma de alocar conhecimento sobre estes grupos na fase de concepção de projetos, ações e programas a partir das demandas que são absorvidas, no Ciclo de Políticas Públicas e na etapa de formação da agenda. Contribuindo assim para mais do que assistir com políticas públicas, mas entregar políticas públicas para o cidadão fazer a diferença na cidade potencializado pelo exercício pleno da sua cidadania.

 

Parte da capacidade do poder público de construir e executar políticas públicas efetivas se dá pela sua competência e habilidade em planejar. Hoje o ciclo de políticas públicas¹ é tratado e considerado como um instrumento heurístico, que nada mais é do que uma forma de utilizar todo o processo de um ciclo de políticas públicas como algo que é preciso sim, descobrir, compreender, aceitar e trazer possibilidades sobre dada situação.

 

Um ciclo de políticas públicas é uma mediação de interesses que é parte do papel e compromisso dos gestores públicos. Esta mediação de interesses e balanceamento das agendas é uma forma de aplicar os desejos, sem ser apenas pela mediação do diálogo e da audiência pública, mas pela via da co criação aplicada. Nesta jornada é possível que apresentemos soluções e alternativas, bem como recebamos as propostas que transmitem os anseios dos grupos de indivíduos e objetivos que, a partir de então, se progrida em uma construção que minimize ou elimine os problemas ou as suas causas.

 

Nesta caminhada, eu reflito muito em quais métodos são utilizados para conseguirmos fazer esta construção, mediação de interesses. O gestor público não vai dar conta de perceber o mundo como os atores da sociedade desejam que se perceba. E nem deve, pois não é por aí. Gestores públicos são pessoas com as suas próprias trajetórias, vieses e tem a sua própria maneira de entender, teoricamente e a partir das suas experiências, como podemos gerar mudanças na vida das pessoas. Por isso, métodos são tão importantes. Nós gestores, não temos que, e não vamos dar conta, mas precisamos ser amplamente capazes e capacitados para mediar os interesses públicos e receber as agendas demandadas pela sociedade.

 

Assim, cabe à nós trazermos as questões e provocações. Precisamos ir em direção aos desenhos de abordagens de políticas públicas, ações, projetos e programas que reflitam sob o prisma da oportunidade, desejo e comportamento. Para que o diferente seja parte da cidade existindo e não subsistindo, tampouco como um elemento teórico-narrativo na construção de discursos sobre a cidade. Gestor público é para impactar. Mediar interesses é também ato teórico-metodológico e, assim, apreender parte dos anseios da sociedade.

 

É MIMIMI. É Meio, é Intenção, é Método, é Inclusão, é Mudança, é Interesse. Trocadilhos à parte, entendo o Afrofuturo em uma perspectiva metodológica e acredito na sua replicabilidade para outros grupos de indivíduos, raça/cor, ir além de negros, mas também indígenas. Já que tocamos no sonhar, nas possibilidades, também aposto neste método como colaborador na reflexão sobre a universalidade de pautas, nos fazendo, a partir de um desconforto, nos deslocarmos para repensarmos políticas públicas por meio de outras centralidades de produção de conhecimento, e nos decidirmos por propostas mais efetivas para encontrar linhas de ação, alternativas e soluções para os problemas e mazelas cariocas.

*Rafaela é presidente do Instituto Fundação João Goulart Prefeitura do Rio, gestora pública, geógrafa especialista em gerenciamento de projetos, economia comportamental e branding, e colaboradora da plataforma Rede Juntos.

¹ O Ciclo de Políticas Públicas envolve etapas como formação de agenda pública, formulação da política pública, decisão sobre a forma, escopo e alinhamento estratégico, implementação e avaliação.



*Esse conteúdo pode não refletir a opinião da Comunitas e foi produzido exclusivamente pelo especialista da Nossa Rede Juntos.

Artigo escrito por: Rafaela Bastos
Presidente do Instituto Fundação João Goulart
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