Como Santos/SP implementou um programa de participação direta nos resultados para os servidores municipais

Introdução

O Programa Participação Direta nos Resultados (PDR), implantado pelo município de Santos em 2013, instalou um sistema de avaliação de desempenho e remuneração variável a servidores públicos municipais, vinculado ao cumprimento de metas e indicadores de resultado. Por meio do programa, as metas são pactuadas em contratos firmados entre o gabinete do prefeito e secretarias municipais ou órgãos da administração indireta. Nesses contratos estão definidos os indicadores e metas que, uma vez cumpridos, resultam na bonificação aos servidores. Inspirado em práticas comuns de gestão na iniciativa privada, o programa visa aumentar a eficiência da prestação de serviços públicos, beneficiando a população e os servidores municipais.

O programa implementado em Santos foi instituído pela Lei Complementar Nº 803/2013, que autoriza a realização de Contratos de Gestão entre o prefeito e os secretários municipais. No objeto destes contratos estão inscritos as metas e os indicadores de cada pasta, que devem ser cumpridos em um ciclo que tem a duração de um ano. Ao final, respeitando um sistema de avaliação do cumprimento das metas, os servidores das secretarias que tenham cumprido as metas estabelecidas para o período recebem uma bonificação de até 50% do vencimento do cargo.

Desafio

O programa pretendia incidir positivamente sobre a organização da administração pública, aumentando a eficiência da entrega de serviços e a qualidade da prestação dos mesmos e, para isso, deveria contar com o apoio e engajamento dos servidores municipais. 

No processo de elaboração do programa, convencer os servidores a embarcarem no projeto foi desafiador, por conta da preocupação dos mesmos em relação à implementação de metas e da possibilidade de um maior controle sobre suas atividades diárias.

A proposta de aplicar um “novo receituário da gestão pública”, como Secretaria-Adjunta de Gestão (2014-2016), também foi bastante desafiadora, pois propunha mudanças no funcionamento da burocracia pública, tantas vezes distanciada dos cidadãos e da função social da gestão. O projeto teria que ser capaz de romper com a resistência à implementação do projeto e envolver os servidores em seus processos.

O processo de convencimento dos gestores(as) das secretarias foi estratégico. Foi necessário iniciar as discussões anteriormente à definição das metas e, assim, preparar o terreno a fim de executar as ações do programa. Também foi importante que eles realizassem exercícios que provocassem os servidores a refletirem sobre a missão de sua secretaria, a identificarem as áreas de atuação estratégicas, assim como repensarem quais deveriam ser as ações prioritárias no seu dia-a-dia.

Tanto os sindicatos de classe, como a Procuradoria Geral Municipal (PGM), ofereceram resistência à proposta do PDR. Enquanto os sindicatos defendiam que, se a prefeitura tinha recursos para pagar um 14º salário aos servidores, seria preferível que esta bonificação entrasse como um reajuste geral do funcionalismo, a PGM apontava a possível contradição em remunerar os servidores municipais por cumprir com atribuições referentes à sua competência.

No processo de negociação, que terminou bem-sucedido com a posterior aprovação do encaminhamento do Projeto de Lei por parte da PGM, a equipe da Secretaria de Gestão argumentou que a lógica da bonificação seria um diferencial para que os servidores saíssem de sua zona de conforto na busca por alcançar os resultados esperados. A ideia era pensar a bonificação como um elemento provocador de mudanças na lógica da gestão, que impactasse de forma positiva e direta o trabalho dos servidores municipais.

Em julho de 2013, o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal, ratificado pelo prefeito da época, Paulo Alexandre e promulgado como Lei Complementar Nº803/2013. Com a lei em vigor, foi possível iniciar o processo interno de elaboração dos contratos.

Estratégia

O PDR propõe a vinculação de uma bonificação aos servidores municipais pelo cumprimento de metas a partir da utilização de ferramentas de contratualização por resultados. Esta estratégia se insere nos debates sobre a chamada Nova Gestão Pública, ou New Public Management. O programa objetiva o aumento da eficiência da administração pública e a melhoria da prestação de serviços públicos utilizando um sistema de indicadores de desempenho e vinculando a eles metas específicas previstas em contratos de gestão firmados com cada um dos órgãos públicos da administração municipal. Além disso, visa contribuir também para a valorização do desempenho dos servidores por meio da vinculação da bonificação ao cumprimento de metas de gestão previamente pactuadas.

A institucionalização do programa se deu por meio da aprovação de uma legislação municipal específica, que autoriza a realização de contratos de gestão dentro da Prefeitura Municipal de Santos. Desta forma, o primeiro passo no desenvolvimento da política foi a elaboração e aprovação de um marco legal referido na Lei Complementar Nº 803/2013.

Uma vez que a bonificação, prevista nos contratos de gestão, se tornaria mais uma remuneração dos servidores municipais, se fez necessário especificar em quais termos estes contratos se dariam para evitar inconformidades com as previsões de legislações anteriores, especialmente com a Constituição.

Após a aprovação da Lei Municipal nº 803 de 19 de julho de 2013, que autoriza os Contratos de Gestão, o segundo semestre do ano de 2013 foi dedicado a processos de capacitação dos gestores(as) e negociação das metas que seriam objetos dos contratos do primeiro ciclo do programa.

Em fevereiro de 2014, foram oficialmente pactuadas as metas entre o prefeito da época, Alexandre Barbosa e os secretários Municipais. Foram pactuadas 151 metas, entre as secretarias de Saúde, Educação, Assistência Social, Cidadania, Gestão, Finanças e Ouvidoria Pública.

Os contratos foram assinados em março de 2013, dando início ao primeiro ciclo do PDR. No mesmo período foi oficializada a Comissão de Acompanhamento e Avaliação do Programa de Participação Direta nos Resultados (PDR), constituída por meio da Portaria nº 051/2014-GPM, de 27 de março de 2014.

Desenvolvimento

Em janeiro de 2013, o desenvolvimento do PDR foi incluído no Programa de Modernização Administrativa e Tributária (PMAT), programa vinculado a uma linha de financiamento do BNDES que havia sido firmada como convênio entre o banco e a gestão municipal em 2012. 

O contrato entre a prefeitura de Santos e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) previa financiamento de R$ 13,5 milhões para a modernização da administração tributária nos municípios, podendo ser utilizado para implementação de recursos na modernização da gestão, capacitação de recursos humanos e compra de equipamentos de apoio e infraestrutura física.

Ao incluir o programa no escopo do PMAT, foi possível dar início ao segundo passo do processo de desenvolvimento do PDR que consistiu na contratação de curso de Pós-Graduação em Gestão de Processos e Indicadores, ministrado pela Fundação Vanzolini, parceira técnica que apoiou na viabilização e implementação do projeto na cidade. A proposta era iniciar o processo de elaboração do PDR com a capacitação de um grupo de servidores.

Foram selecionados para a capacitação 62 servidores estatutários da administração direta (três pessoas de cada secretaria),  reconhecidos pelas equipes dos gabinetes como servidores chave para a pasta. 

Para que fosse possível a elaboração dos contratos, que deveriam ser assinados no final de 2013 para o início do primeiro ciclo em 2014, a Secretaria de Gestão e a Fundação Vanzolini realizaram o trabalho de elaboração de indicadores e metas juntos às secretarias priorizadas pelo prefeito – Saúde, Educação, Assistência Social, Cidadania, Gestão, Finanças e Ouvidoria). 

Iniciando a etapa de desenvolvimento e implementação do programa, foram realizadas reuniões com as secretarias e servidores para desenvolvimento dos indicadores e das metas que deveriam estar contidas nos Contratos de Gestão de Metas de Resultados.

Para as reuniões internas, a equipe da Secretaria de Gestão e a equipe da Fundação Vanzolini realizaram um trabalho preparatório de levantamento de dados referentes a cada secretaria, os quais continham dados orçamentários, informações sobre os serviços, informações sobre as redes de atendimento, o alcance dos serviços prestados, e demais indicadores (como, por exemplo, dados da saúde sobre atendimento na rede municipal, ou taxa de mortalidade infantil, número de vaga em creches, número de acidentes de trânsito, entre outros). As fontes utilizadas para o levantamento dos dados incluíram, Plano Plurianual, Plano de Governo, Lei de Diretrizes Orçamentária, e sistemas informatizados sobre prestação de serviços das secretarias, ou federais, como o DataSUS.

Este levantamento permitiu mapear o quadro geral da secretaria e identificar os principais gargalos que deveriam ser foco de ação do PDR, permitindo uma atuação mais estratégica por parte da equipe do programa. Uma das primeiras ações junto às equipes foi a aplicação da metodologia de planejamento estratégico. A partir de questionamentos como “Quem é você, qual finalidade e missão dentro da estrutura da Prefeitura?” ou “Quais seus objetivos estratégicos para atender missão institucional?”, esta metodologia pretendia provocar os servidores a delimitar seu escopo de trabalho, a chamada “missão”, e estabelecer objetivos estratégicos de curto, médio e longo prazo.

A utilização desta metodologia permitiu explicitar, para o próprio conjunto dos servidores, seus objetivos enquanto prestadores de serviço, contribuindo para uma ação mais pontual na definição das metas.

Ferramentas

A implementação de um sistema informatizado de monitoramento de indicadores e metas não fazia parte do desenho inicial do PDR. A proposta de construção de um sistema único, nomeado como INDICAMETA, surgiu e se consolidou a partir do reconhecimento da necessidade de centralizar as informações referentes ao cumprimento periódico das metas de cada um dos órgãos municipais, dando maior confiabilidade ao processo e maior eficiência.

Um fator de sucesso no processo de desenvolvimento e implementação do sistema é o fato de que as políticas de Tecnologia e Informação (TI) da municipalidade serem prestadas diretamente pela Prefeitura, e não por uma empresa terceirizada, realidade de muitos municípios brasileiros. Certamente a autonomia da Prefeitura e da equipe da Secretaria de Gestão no desenvolvimento de políticas de TI foi fundamental para que um sistema de alto grau de complexidade pudesse ser implementado em um período relativamente curto de tempo, menos de um ano.

Em 2017 o INDICAMETA foi premiado no concurso nacional de Boas Práticas, promovido pelo Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União (CGU), na categoria de Aprimoramento do Controle Social e a Ouvidoria Digital.

Resultados

O programa trouxe uma série de benefícios para a gestão municipal em diferentes níveis – no nível da gestão propriamente dita, melhorando sua eficiência e eficácia; na melhoria da qualidade dos serviços prestados; na qualidade do trabalho dos servidores; na modernização dos processos administrativos; e no grau de transparência, participação e controle social da administração municipal.

Em relação à eficiência, a contratualização por resultados, com metas e indicadores, permite que o trabalho realizado pelos órgãos municipais seja mensurado por novos marcadores de desempenho a partir do cumprimento das metas estabelecidas em contrato. Uma maior eficiência contribui para a melhoria na entrega dos serviços públicos, assim como sua eficácia; a garantia de uma atuação estratégica, permitindo identificar as prioridades de cada área; e a inserção de uma lógica de racionalização no uso eficiente dos recursos.

Relativo aos gestores(as), o programa contribui para o desenvolvimento e implementação das políticas públicas. Os principais benefícios para o trabalho dos gestores(as) são: pactuação de metas e indicadores permite uma ação de planejamento estratégico, a utilização de dados para subsidiar o processo de tomada de decisão e a possibilidade de monitoramento do cumprimento das metas.

Já para os servidores, além da possibilidade de recebimento de uma bonificação anual que pode chegar até 50% de seu salário, a implementação do programa contribui para um maior engajamento por parte destes servidores, um direcionamento mais delimitado de suas funções e na possibilidade de reconhecimento de seu trabalho por parte de seus gestores(as).

Em 2017, após dois ciclos de premiação, a Comunitas realizou uma pesquisa junto aos servidores santistas para analisar o caso do PDR. A partir de métodos combinados, destacam-se entrevistas e a aplicação de um questionário a 567 servidores com o objetivo de compreender a percepção dos mesmos sobre o programa e suas metas, indicadores, incentivos e o impacto disso em suas relações de trabalho e nos serviços prestados à população. Também foram conduzidas dez entrevistas em profundidade com servidores atingidos e envolvidos diretamente na implementação da política.

A grande maioria dos respondentes das pesquisas quantitativas e qualitativas (82%) apontaram que o programa contribuiu para a melhoria dos serviços públicos, enquanto 16% dizem que não fez diferença e 2% apontam que pioraram a prestação dos serviços públicos. Já quando questionados sobre como a existência de metas e indicadores contribui para o desempenho da função, 52% apontaram que sentiram mais facilidade para desempenhar seu trabalho, ao passo que 35% dizem que não perceberam diferença e 16% reclamaram que sentiram algum tipo de dificuldade.

Entretanto, de uma forma geral, a maior parte dos respondentes das pesquisas entende que o PDR melhorou a prestação de serviços públicos municipais, com cerca de 60% dos servidores marcando as opções de ‘melhorou um pouco’ e ‘melhorou muito’, enquanto 35% apontam que não sentiram diferença e 4% marcaram as opções ‘piorou um pouco’ e ‘piorou muito’. 

Para a população, um dos maiores benefícios é o incremento do grau de transparência e controle social trazidos pelo PDR. A possibilidade de acompanhamento das ações da gestão municipal, de acesso a dados de gasto e orçamento público e o monitoramento dos programas compõem importantes instrumentos de transparência que contribuem para a democratização das informações e para a modernização da administração pública.

Confira a seguir o resultados dos três primeiros ciclos do programa santista:

Imagem: Acervo Comunitas

Sistematização e replicabilidade do programa

A área de conhecimento e inovação da Comunitas, em parceria com a aliança Lemann e Humanize, produziu a cartilha de replicabilidade sobre a implementação do Programa Participação Direta nos Resultados (PDR), no município de Santos, instituído em 2013.

A cartilha contempla a sistematização do caso de ideação, planejamento e implementação do sistema de remuneração variável da prefeitura de Santos, conhecido como Participação Direta nos Resultados (PDR).

Quer saber mais? Acesse a cartilha sobre o programa aqui.

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